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Dossiê História das Geografias Universitárias

Geografia Universitária em Portugal

Uma interpretação
University Geography in Portugal: An Interpretation
Géographie Universitaire au Portugal : Une interprétation
Geografía Universitaria en Portugal: Una interpretación
José Braga

Resumos

Neste artigo dá-se um contributo para o conhecimento da Geografia universitária portuguesa até 1940. Com efeito, a historiografia tem realçado a influência francesa na Geografia portuguesa, destacando-se os professores Aristides de Amorim Girão, na Universidade de Coimbra, e Orlando Ribeiro, na Universidade de Lisboa. Em nosso entender, esta visão é correta, mas estudando os Doutoramentos defendidos nas duas universidades portuguesas, percebe-se que este domínio não foi estabelecido de forma linear. Especialmente em Lisboa, Orlando Ribeiro tem um papel fulcral no predomínio da abordagem sob a forma de monografia regional de influência francesa.

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Notas do autor

Este artigo resulta de trabalho realizado no âmbito da dissertação de Doutoramento em História e Filosofia da Ciência: Braga Costa, J. (2024), Orlando Ribeiro: a Formação de um Cientista (1911-1940), Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, particularmente o capítulo 6.

Texto integral

1A Geografia universitária em Portugal está ainda pouco estudada, devido à sua formação recente: o ensino superior da disciplina inicia-se com a cadeira de Geografia no Curso Superior de Letras (CSL), em 1904. Os estudos que existem são unânimes em destacar Amorim Girão, na Universidade de Coimbra, e Orlando Ribeiro, na Universidade de Lisboa, como os principais cultores da disciplina no país até 1940. Ambos são fortemente influenciados pela Geografia francesa (Ferreira et. al. 1986; Medeiros 2005, 18-47). Esta visão é, a nosso ver correta, mas deve ser matizada pelo estudo das primeiras dissertações de doutoramento apresentadas a estas universidades, permitindo conhecer melhor a evolução da disciplina.

2Para balizar o estudo optou-se pela data de 1940, dado que é o ano em que é apresentado o último de uma série de seis doutoramentos (cinco na década de 1930), iniciando-se um hiato, com origem na interrupção das relações científicas devido à II Guerra Mundial, que só terminará com uma tese defendida em 1949.

3As teses de Doutoramento em Ciências Geográficas realizadas até 1940 em Portugal devem relacionar-se com a renovação das universidades portuguesas, associando-as à investigação científica no quadro internacional, à criação de cátedras de Geografia nas universidades e ao esforço de conhecimento e valorização do território nacional seguindo as diretivas do regime saído do golpe militar de 1926 (Estado Novo a partir de 1933).

4Neste artigo recorre-se a publicações científicas, material de arquivo, correspondência e ao espólio do geógrafo Orlando Ribeiro para tentar reconstituir o trajeto de elaboração das primeiras teses de Doutoramento em Geografia em Portugal.

5Dá-se conta do contexto político-económico e científico-universitário e dos principais trabalhos existentes sobre o território português realizados por «pré-geógrafos» com responsabilidade no ensino da disciplina em Coimbra e em Lisboa. As teses são contextualizadas nos percursos de cada autor, cujas caraterísticas marcam o trabalho científico produzido, procurando-se avaliar o seu impacto. Desenvolve-se o trabalho de Orlando Ribeiro dado as fontes existentes permitirem conhecer melhor o seu percurso e ter sido Vice-presidente da União Geográfica Internacional.

6A Geografia portuguesa segue predominantemente a influência francesa devido a fatores políticos, económicos, científicos e associados ao desenvolvimento das universidades, havendo também, devido ao reduzido número de geógrafos, fatores próprio das trajetórias pessoais dos diferentes atores.

Nacionalismo e autarcia

7Após uma conturbada Primeira República (1910), um golpe militar instaura uma Ditadura que gradualmente assume um carácter conservador, levando à Constituição de 1933 e a um regime político marcado pela inspiração na Itália de Mussolini.

8Governado por um regime de carácter nacionalista, o impacto da recessão mundial decorrente da crise de 1929 foi menos sentido do que noutros por ser mais isolado e periférico. O índice de desemprego foi mais baixo do que o verificado nas economias mais desenvolvidas devido à importância do sector agrícola, de autoconsumo. As exportações abrandaram e as remessas dos emigrantes diminuíram. Durante a década de 1930 ocorreu um debate entre «ruralistas» e «industrialistas», com avanços e recuos. Os primeiros pretendiam que se valorizasse a agricultura e o mundo rural no desenvolvimento do país, os segundos privilegiavam a indústria. Deve-se ao ideário dos primeiros a Campanha do Trigo de 1929, acusada de levar ao abandono o sector agro-pastoril e de ter contribuído para a destruição das capacidades do solo. Revelou também as dificuldades de expansão de uma agricultura dependente de condições naturais, da estrutura fundiária e do regime de propriedade e uso da terra. Também a criação da Junta de Colonização Interna, em 1936, se liga à influência ruralista. Esta organização visava aproveitar terrenos incultos, distribuindo-os por trabalhadores agrícolas que aí se fixariam. As mesmas finalidades de desenvolvimento agrícola tiveram as iniciativas de hidráulica agrícola (1937) e povoamento florestal (1938), que não conheceriam grande sucesso (Cardosos s/d; Brito, 1996 510-546; Rosas 1986).

9A linha industrialista tinha como prioridades uma política de obras públicas, visando a construção de infraestruturas e a viabilização do desenvolvimento agroindustrial através de projetos de aproveitamento hidroelétrico, obras de irrigação ou de abastecimento de águas. Materializou-se no Congresso da Indústria Portuguesa (1933), que via o caminho do desenvolvimento nacional na complementaridade entre a agricultura e a indústria, devendo o Estado apoiar a construção de centrais hidroelétricas, estimular a agricultura produtora de matérias-primas, incentivar o consumo de produtos industriais na agricultura e melhorar as redes de comunicação. A própria Lei de Reconstituição Económica (1935) dará prioridade às obras públicas, em particular, à rede rodoviária (Brito 1996, 510-546).

  • 1 Para conhecer mais sobre este geógrafo português ver: Braga, J. «Girão, Aristides de Amorim» Dicion (...)

10Destarte, a lógica nacionalista e autárcica do poder político, tornava importante o reconhecimento e valorização do território nacional onde a Geografia tinha um lugar importante. A Portaria de 20 de setembro de 1930, do Ministério da Agricultura, e a Portaria de 22 de outubro de 1930, do Ministério do Interior, nomeiam comissões para realizar a divisão regional agrícola e a remodelação provincial do país, respetivamente, onde participam professores universitários de Geografia: Aristides de Amorim Girão (1895-1960),1 António Mendes Correia (1888-1960), Francisco Pereira de Sousa (1870-1931) e Luís Schwalbach [Lucci] (1888-1956), que não participa na segunda, mas trabalha o tema (Schwalbach 1933).

A renovação da Universidade

  • 2 Decreto 18 003 de 25 de fevereiro de 1930. Neste enquadramento não se aborda a Faculdade de Letras (...)
  • 3 Para conhecer mais sobre esta personalidade ver: Pimenta, J. Ramiro, Dicionário de Historiadores po (...)

11À semelhança do que sucedera em França, em Portugal a Geografia foi uma ciência auxiliar da História até 1930, ano em que foi criado um curso de Ciências Geográficas nas Faculdades de Letras das universidades de Coimbra e de Lisboa.2 Os responsáveis pelo ensino da disciplina nos cursos de Ciências Histórico-Geográficas nos estabelecimentos de ensino superior foram o naturalista Anselmo Ferraz de Carvalho (1878-1955) e o médico Francisco Xavier da Silva Telles (1860-1930),3 respetivamente.

12Em 1912, Anselmo Ferraz de Carvalho realiza uma visita de estudo a França para contactar com os mestres franceses e aprofundar a sua visão da disciplina, que modernizou (Girão 1955, 1-4). Nos seus trabalhos de Geografia física, Ferraz de Carvalho, dá ênfase aos fenómenos naturais enquanto elementos da paisagem, em especial o clima e a Geologia, ilustrando-os com alguns mapas. Num trabalho de conjunto sobre Portugal, inserido numa obra de divulgação publicada em Espanha, carateriza o território continental e as ilhas adjacentes em 71 páginas, com 7 dezenas de fotografias a preto e branco, 4 mapas, gráficos e quadros. Apenas se refere às colónias numa breve abordagem monográfica descritiva (Carvalho 1930).

  • 4 Silva Telles fora selecionado para professor da cadeira de Geografia do CSL após a defesa da disser (...)

13Também motivado pelas circunstâncias o médico goês, Silva Telles, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL, criada em 1911, continuando o CSL), colaborou em obras coletivas que se publicaram para as exposições do Rio de Janeiro (1908, 1-55) e de Sevilha (1929) e no Guia de Portugal (1924, 15-30).4 Trata-se também de uma abordagem monográfica, distinguindo contrastes geográficos entre o norte e o sul do Tejo, assumindo preocupação com a valorização económica do território. São trabalhos gerais sem grande preocupação de pormenores, dado pretenderem apresentar o país a públicos diferenciados, traduzindo o desigual conhecimento que os autores possuíam do território nacional.

  • 5 Para conhecer mais sobre este geógrafo alemão que trabalhou sobre Portugal ver: Braga, J. «Lautensa (...)

14Fora do círculo universitário português, deve-se destacar o alemão Hermann Lautensach (1886-1971). Nascido numa família de professores, estudou com os geógrafos Alexander Supan (1847-1920) e Albrecht Penck (1858-1945). Em 1910 obtém formação em Geografia, Matemática, Física e Química, iniciando carreira docente no ensino secundário. Procura a habilitação para docência universitária através do estudo de um país pouco conhecido, na linha da Geografia praticada na Alemanha. Escolhe Portugal por contactos familiares e publica vários estudos sobre o país (Ribeiro 1966, 125-128; Ribeiro, 1971, 161-163; Braga, s/d).5

15Em 1932 e 1937 publica os dois volumes de Portugal auf Grund eigener Reisen und der Literatur (Portugal, baseado nas próprias viagens e bibliografia). Foi a primeira geografia moderna sobre Portugal, com uma parte geral (1º volume) e uma parte regional (2º volume), resultando de quatro viagens à Península Ibérica entre 1927 e 1930.

16Em muitos aspetos é uma obra pioneira, uma Geografia que analisa os fenómenos no seu enquadramento e interdependência espacial. No segundo volume, expõe a sua divisão regional do país (Lautensach 1932-1937; Lautensach et. al. 1987-1991). Infelizmente, a barreira linguística e a edição tardia da tradução (1987-1991) retiraram-lhe impacto. Pela força da língua e da cultura latina era mais forte a relação de Portugal com França pelo que, dos geógrafos nacionais, apenas Orlando Ribeiro terá sido influenciado de facto por este autor.

17Em Portugal, este interesse pela Geografia, que se tornou maior com a sua autonomização no ensino superior, está patente na legislação que regulou a disciplina e as suas relações na Universidade. Nesta, desde o início da I República, relevava-se a importância da Geografia na formação de professores para o ensino liceal e a sua relação com o trabalho de campo.

  • 6 Decreto com força de lei nº 93/1911, de 22 de abril, Cap. I – art.º 4º e Decreto nº 195/1911, de 22 (...)
  • 7 Decreto com força de lei nº 109/1911, de 11 de maio, Cap. II – Secção II e Cap. II – Secção III.
  • 8 Diário do Governo nº 157/1918, de 14 de julho, Decreto nº 4 651, Art.º 2º, números 1 e 2.

18Com a criação da FLUL, surge também um curso de Ciências Histórico-Geográficas.6 A Faculdade de Letras habilitava para os exames de bacharelato e para o doutoramento nas secções de Ciências Históricas e Geográficas e Filosofia. Ligava-se o ensino da Geografia a «excursões científicas, destinadas a estudos regionais», falando-se do estabelecimento de um Instituto de Estudos Geográficos.7 Em 1918 criava-se um Doutoramento em Ciências geográficas.8

  • 9 Diário do Governo nº 257/1926, Decreto nº 12 677, de 17 de novembro, art.º 7º.
  • 10 Respetivamente: 13ª cadeira, Geografia geral (anual); 14ª cadeira, Geografia de Portugal (anual); 1 (...)
  • 11 Decreto 18 003, de 25 de fevereiro de 1930.
  • 12 Respetivamente Geografia geral e Paleogeografia, Geografia humana, Geografia de Portugal e colónias (...)

19A vontade de tornar o ensino mais prático e ligado à realidade é reforçada já no período de Ditadura Militar (numa continuidade que ultrapassa regimes políticos), e acontece, provavelmente, pela experiência universitária contrariar a letra da lei. Assim, num Decreto que visava reorganizar as Faculdades de Letras definia-se que: «O ensino é teórico e prático, consistindo o primeiro em lições magistrais e conferências, e o segundo em trabalhos práticos e excursões científicas».9 Na estruturação dos saberes, o 5º grupo era relativo às Ciências Geográficas, com 4 cadeiras e 4 cursos,10 estando subordinado à História. A Licenciatura em Ciências Geográficas surge em 1930.11 O Doutoramento ficava dependente de aprovação em 5 provas e defesa de uma dissertação.12 Será esta Lei que enformou o Doutoramento dos primeiros geógrafos portugueses, exceto o de Amorim Girão, defendido em 1922.

  • 13 Decreto 18 003, de 25 de fevereiro de 1930.

20O júri era composto pelos professores catedráticos e presidido pelo Reitor. No Doutoramento em Ciências Geográficas faziam parte do júri professores da Faculdade de Ciências. Cada prova oral durava uma hora podendo o candidato ser interrogado por um ou mais professores. A dissertação era discutida pelo período mínimo de uma hora e máximo de hora e meia por um ou dois professores catedráticos do respetivo grupo. Relativamente a processos burocráticos, os candidatos deveriam apresentar na secretaria 30 exemplares da sua dissertação antecipadamente,13 o que permite compreender a publicação da tese antes da sua defesa.

  • 14 Decreto 18 003, de 25 de fevereiro de 1930.

21Esta legislação de 1930 explica os Doutoramentos realizados em Ciências Geográficas, em Portugal, nessa década. Com efeito, ao criar um quadro de pessoal para o 5º grupo de 2 professores catedráticos e 1 professor auxiliar em cada Faculdade de Letras, em que os professores auxiliares eram recrutados entre os Doutores, e existindo necessidade de Doutoramento para alcançar a cátedra, criavam-se oportunidades profissionais para jovens investigadores e professores interessados pela Geografia que passava a ter 15 cadeiras e necessitava de professores qualificados.14 Assim se associava também o desenvolvimento da carreira no ensino superior à investigação que, por sua vez, serviria para o desenvolvimento do país. Em Lisboa, uma cátedra estava vazia desde a morte de Silva Telles em 1930, o que era do conhecimento de Orlando Ribeiro (Ribeiro 1989, 143-144). A oportunidade profissional foi assim uma razão de peso para o desenvolvimento dos estudos geográficos em Portugal. Esta maneira de encarar a investigação científica e a Universidade explicava-se também pela existência da Junta de Educação Nacional (JEN), organismo criado em 1929, para fomentar a investigação científica, e sucedido em 1936 pelo Instituto para a Alta Cultura (IAC).

22As Letras, onde se incluía a Geografia, eram a segunda área mais apoiada tanto em número de bolsas concedidas como em termos de renovações. A Europa além Pirenéus era o espaço privilegiado de atualização científica, sobretudo a França (130 bolsas, 78% para a Sorbonne), não existindo uma relação direta com a orientação política dos estados, mas sim com a qualidade reconhecida aos investigadores e instituições de acolhimento. Para a concessão de bolsas, além de dados pessoais, inquiria-se a idoneidade do candidato, aferindo-se as suas competências, o conhecimento da língua do país de destino e se já realizara trabalhos na temática (Lopes, 2017, 38-42, 51, 297).

23Existia assim a vontade de europeizar a investigação científica, ligando-a à prática e relacionando-a com o ensino superior. Nas Faculdades de Letras (e em Geografia) falava-se da especialização dos professores, da sua profissionalização e de tornar a disciplina mais próxima do trabalho de campo.

24João da Silva Correia (1891-1937), que foi Diretor da FLUL, apelava em 1937, a uma reforma da Universidade sob «o risco de não ter mais que ensino secundário de primeira grandeza (…)». Opunha-se às generalidades e carácter elementar das matérias transmitidas aos alunos, apelando à especialização e trabalho original dos professores. O ensino universitário deveria passar por um reduzido número de cadeiras, permitindo a criação de investigadores (Correia 1937, 253-256). Silva Correia defendia na FLUL as preocupações que originaram a JEN.

25Pedro José da Cunha (1867-1945), que fora Reitor, reconhecia, em 1937, que na Universidade de Lisboa, não obstante trabalhos originais de alguns docentes, existia «um verdadeiro marasmo na atividade científica». Na realidade, coexistiam duas visões relativamente ao grau de Doutor: exigência de cultura científica original e especializada ou meras provas pedagógicas (Matos 2013, 254-255, 290).

26Luis Schwalbach, o catedrático de Geografia transpunha esta ideia de aliança do ensino à investigação para a disciplina. Identificava os seus problemas: o vasto campo de atividades, as tendências enciclopédicas, a dificuldade em encontrar o «fator primacial» para as explicações, bem como o choque entre a visão global dos fenómenos e a especialização. Também assinalava o alto valor da Geografia, a sua a capacidade de síntese. Defendia que Portugal seguisse as «Normas professadas na escola francesa». Recordava que Portugal não possuía um instituto de Estudos Geográficos, reconhecendo a necessidade de recorrer ao ensino da Faculdade de Ciências e debatendo a junção da Geografia e da História tanto no ensino superior como no liceal e sustentando que por razões práticas deveriam estar unidas (Schwalbach 1937, 270). De qualquer modo, havia por parte das autoridades universitárias abertura para a criação de trabalho original, assente em trabalho de campo.

Fig. 1- Aristides de Amorim Girão

Fig. 1- Aristides de Amorim Girão

Fonte: FLUC/Fundação Eng.º António de Almeida

Teses de Geografia em Portugal: a Universidade de Coimbra

27Até 1940, foram discutidas 6 teses de Doutoramento em Ciências Geográficas, 3 na Universidade de Coimbra e 3 na Universidade de Lisboa. Algumas, não obstante estarem publicadas, não foram aprovadas. Traduzem-se em, pelo menos, três formas de praticar a Geografia, associadas às diferentes caraterísticas e formações dos seus autores, a primeira geração portuguesa de geógrafos.

28As provas de Doutoramento não esgotam todos os caminhos da Geografia portuguesa coeva mas mostram aspetos significativos. Traduzem a forte influência francesa na academia nacional e o esforço de reconhecimento do território nacional (Medeiros 1990, 65-78). Este é feito também com a finalidade, implícita ou explicita, de valorizar os recursos territoriais e de racionalizar a administração do Estado através da aplicação do conhecimento geográfico à divisão administrativa, sustentada pelo regime político.

  • 15 Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Doutoramentos, IV-1ª D-9-3-35-fl-18-18v-19. Apenas se (...)

29O primeiro Doutoramento em Ciências Geográficas em Portugal é defendido na Universidade de Coimbra por Aristides de Amorim Girão (fig. 1), em 1922. Enquanto estudante foi colega do teólogo, futuro Cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira (1888-1977) e ganhou notoriedade com a publicação de Lições de Geografia do seu professor, o naturalista Anselmo Ferraz de Carvalho. Em 1918 iniciou a sua carreira docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (nela fará toda a sua carreira), defendendo o Doutoramento a 1 de abril de 1922, com um estudo sobre a Bacia do Vouga. O arguente foi Silva Telles, tendo a tese obtido a «classificação final de Muito Bom, com dezanove valores» (Cerejeira 1922).15

  • 16 Assim, a Geografia, durante a República e o Estado Novo, iria ter a mesma finalidade que a Geologia (...)
  • 17 O rio Vouga é um curso de água de 148 Km que nasce no distrito de Viseu e desagua na «Ria de Aveiro (...)

30Logo no «Prefácio» sobressai a aplicação explícita da Geografia ao desenvolvimento regional e à decisão político-administrativa, através do conhecimento dos recursos naturais do país, de modo a que os dirigentes políticos «por meio de legislação conveniente, saibam fomentar o seu progresso agrícola, industrial e comercial.» (Girão, 1922)16 O autor procura definir e caraterizar as regiões naturais que compõem uma parcela do território nacional, a bacia hidrográfica do rio Vouga17, de onde era natural, dando-as a conhecer e explicando como retirar melhor partido dos recursos naturais e melhorar a qualidade de vida das populações. É um estudo de exploração geográfica e de exposição de um método:

[Este trabalho] (...) pretende ser, ao mesmo tempo, um trabalho de investigação e uma obra de método. Não é o estudo de uma «região natural». É o estudo geográfico de uma parte do nosso país— de uma unidade hidrográfica— tendente a determinar as regiões naturais que nela se compreendem ou põem em contacto, motivo que, em nosso entender, constitui a finalidade própria da Geografia. (Girão 1922)

31Aristides de Amorim Girão faz uma monografia de uma bacia fluvial (não de uma região geográfica), uma unidade territorial com limites naturais, sublinhando-se as facilidades de comunicação proporcionadas pelos rios como fator de coesão territorial e evitando as dificuldades de delimitação das regiões (Medeiros 1990, 66-67).

32A tese interrelaciona fenómenos naturais e humanos com base numa abordagem historicista, partindo do estudo da paisagem e de comparações entre espaços. No estudo da «Natureza dos Terrenos», distingue os de origem granítica dos com origem no xisto, marcando a paisagem. Nos primeiros, o povoamento é disperso, nos segundos, aglomerado. Nas áreas de contacto entre os dois surgem solos estéreis e, devido às diferenças de dureza, quedas de água. No «Relevo do solo», Girão carateriza a área em estudo por altitudes, dá conta das principais linhas de relevo e da sua formação. Na «Hidrografia e acidentes litorais», destaca, naturalmente, o rio Vouga (cujo regime irregular dificulta o aproveitamento hidroelétrico), os seus afluentes e a «Ria de Aveiro» cuja evolução reconstrói. Lamenta a inexistência de postos meteorológicos no quadro da bacia hidrográfica, usando valores do Porto, Viseu e Coimbra para caraterizar o clima. Estuda ainda as «Associações vegetais e animais».

33No estudo da população, o autor transmite a evolução da distribuição dos centros populacionais desde os tempos pré-históricos, numa abordagem historicista, mas realçando a influência dos fatores naturais. Relativamente às urbes, compara Viseu (fora da bacia) com Aveiro. Na «Ocupação do solo», Girão traça a evolução histórica da habitação, considerando que a Geologia determina a natureza dos materiais de construção, o que se reflete nas diversas formas e aspetos da casa. A abordagem às vias de comunicação é também cronológica desde a época romana. Estabelece relações entre as vias de comunicação e o relevo. Aborda depois as culturas do solo, distinguindo regiões agrícolas, a criação de gado, as explorações minerais e águas. Os fatores naturais, em especial a Geologia, são convocados para explicar a fisionomia da paisagem, ao influenciar tanto o relevo, os tipos de terreno e as culturas, como os tipos de habitação. É também a Geologia que está na base da divisão regional proposta.

34Girão conclui o seu estudo definindo regiões e sub-regiões naturais através da sobreposição de mapas de todos os aspetos da superfície da terra estudados. Faz notar como as divisões administrativas carecem de base geográfica definida. Devido à dificuldade em recolher dados, o autor baseia-se no trabalho de campo e questionários às populações. Privilegia os fenómenos que se podem observar na paisagem, sobretudo a litologia e o relevo e a distribuição da população e ocupação do solo. Interrelaciona fenómenos naturais e humanos que utiliza para explicar a paisagem. É com base nestes que define sub-regiões, a finalidade de uma então jovem disciplina que poderia ser convocada para apoiar a administração moderna.

  • 18 Hermann Lautensach, Bibliografia Geográfica de Portugal, (Lisboa: IAC/CEG, 1948), 190-191.

35A forma de delimitar a região em estudo, coincidindo com uma bacia hidrográfica foi considerada uma pecha do trabalho pelos pares que sublinham tratar-se do primeiro estudo geográfico moderno sobre uma região em Portugal (Lautensach 1948, 190-191)18. Esta opção, que seria repetida por um seu aluno de Coimbra, Alfredo Fernandes Martins (1916-1982), já na década de 1940, originaria uma polémica com Orlando Ribeiro que sustentava que a delimitação das regiões não devia ser feita a priori (Martins 1940 e 1941; Ribeiro 1941-a, 363-369).

36A segunda tese de Doutoramento, dedicada ao Trás-os-Montes setentrional (no nordeste de Portugal continental), é igualmente defendida em Coimbra, por Vergílio Guerra Taborda (1906-1936). Falecido prematuramente, apenas realizará mais um estudo sobre Maquiavel, publicado por amigos postumamente (Taborda 1939).

  • 19 As provas testemunham a relação entre Geografia e História e o elevado grau de exigência: Prova esc (...)
  • 20 Vergílio Taborda, Alto Trás-os-Montes—Estudo Geográfico, Dissertação de Doutoramento na Faculdade d (...)

37As provas de Doutoramento decorreram em julho de 1932 (a defesa ficou marcada para dia 14). Taborda apenas fez exame escrito de Geografia humana, não tendo agradado ao júri (Ribeiro, 1987)19. O trabalho revela inspiração e originalidade, assentando em fontes históricas e cinco campanhas de trabalho de campo (Taborda 1932)20. A tese inclui diversas fotografias, mapas e gráficos. Busca a interdisciplinaridade e evita explicações simplistas, em especial as deterministas. Teve inspiração na estrutura da tese de Jacques René Levainville (1869-1932). Este fora seguidor de Vidal de la Blache e estudou uma região desfavorecida, como Trás-os-Montes (Levainville 1909).

38O autor traduz no prefácio a vontade de reconhecimento do território nacional, para o qual dá um contributo com uma monografia regional:

Este estudo pretende ser uma contribuição para o estudo geográfico de Portugal como ela se me afigura mais útil, quer dizer sob a forma de monografia regional. Com efeito, só depois de uma série de trabalhos desta natureza, de pacientes e minuciosos inquéritos que cinjam tanto quanto possível toda a realidade geográfica nos seus múltiplos aspetos dentro dos vários pequenos quadros regionais, só depois disso será possível ensaiar-se um grande e sério trabalho de síntese geográfica do país. (Taborda 1932)

39Vergílio Taborda delimita a região através da paisagem. Integrada na província transmontana, a sua parte mais setentrional carateriza-se pelo isolamento, o clima excessivo, solo pouco fértil, população com uma tradição comunalista e de autarcia. Apresenta depois os limites que separam a «Terra fria» da «Terra quente», segundo os agrónomos e usa a fronteira luso-espanhola e o quadro linguístico para a delimitação regional.

40Nos materiais do solo, o autor destaca o granito e o xisto como os mais importantes e debruça-se sobre as formas de erosão. No «Relevo do solo» carateriza a região pela existência de planaltos com uma altitude aproximada de 700 metros, cortados pela rede hidrográfica do Douro e dos seus afluentes. O clima é definido pela influência continental devido ao afastamento do mar e da barreira montanhosa Gerês/Marão. As caraterísticas do relevo multiplicam os contrastes climáticos. Taborda relaciona as estações do ano com os trabalhos agrícolas baseando-se em ditos populares, suprindo a ausência de dados estatísticos. No revestimento vegetal destaca a interpenetração de diversos fatores naturais com a ação do Homem e a maneira como esta marca a paisagem.

41A preocupação implícita com o desenvolvimento regional na tese Alto-Trás-os-Montes traduz-se em 3 capítulos dedicados às «Culturas», «Criação de Gado» e «Propriedade e exploração do solo». É realizada uma abordagem historicista, destacando-se as arroteias e dando-se conta da situação existente, uma «agricultura atrasada» (Taborda, 1932, 101). Vergílio Taborda ressalva a relação entre a agricultura e a criação de gado que se traduz na paisagem e destaca como a propriedade comunitária ocupa uma extensão muito considerável, os «baldios», terrenos incultos, que urgia explorar de forma moderna. Nas «Relações económicas», Taborda lembra a reduzida indústria (seda, panos e curtimenta) e formas de exploração dos recursos naturais, caso de minas, pedreiras e termas. Não esquece o comércio (feiras) e vias de circulação. Relaciona «A habitação e as povoações» com as condições naturais e estuda a posição e forma das povoações, onde destaca as cidades que se caraterizam pelo geral adormecimento, típico de um «país isolado». No último capítulo aborda-se a densidade e movimentos da população, fazendo notar a emigração, responsável pela perda de potencial do país.

42Falta ao trabalho uma conclusão onde definisse, por exemplo, as sub-regiões (Medeiros 1990, 68) ou formas de potencializar os recursos, daí que se fale aqui de uma utilização implícita das monografias para o desenvolvimento regional.

43O trabalho foi muito apreciado pelos geógrafos, Hermann Lautensach, considerou-o «Uma das melhores monografias regionais escrita com elegante sobriedade (…) A parte humana, baseada em observações pessoais é excelente.» (Lautensach 1948, 177). Orlando Ribeiro apoiou a sua segunda edição em 1987 e foi editado uma terceira vez em 2011 (Taborda 2011).

44Estes dois trabalhos da Escola de Coimbra, ainda que com formas diferentes de delimitar as regiões, são monografias cuja finalidade é dar a conhecer e contribuir para a potencialização dos recursos existentes em dois territórios diferentes. Inspiram-se nas monografias regionais francesas e têm da Geografia uma visão naturalista, uma ciência da terra, de síntese, que com base na paisagem explica a localização dos fenómenos à superfície da Terra interrelacionando fenómenos naturais e humanos, recorrendo à observação direta e trabalho de campo para suprir a falta de dados e à História e Geologia (esta em particular) como fatores explicativos.

45Amorim Girão, na década de 1930, liderava o reconhecimento e valorização do território nacional, apoiando a decisão político-administrativa. Atrás destas preocupações estavam os interesses nacionalistas e autárcicos. O Primeiro-Ministro à época, António de Oliveira Salazar (1889-1970), que assumiria o cargo no ano em que Taborda defende o seu Doutoramento, deixando o ensino na Universidade de Coimbra, e era próximo de Gonçalves Cerejeira, defendia que o ensino da História e da Geografia fomentaria uma consciência nacionalista que promoveria a iniciativa económica. Nos seus primeiros trabalhos académicos chamava a atenção para a questão da falta de cereais e para a possibilidade da obtenção de mais-valias através da colocação no mercado internacional de produtos (flores e hortofrutícolas) em antecedência aos países do Norte e centro da Europa (Meneses 2010, 28-39).

Uma Geografia especializada

46O terceiro trabalho, datado de 1938, traduz as preocupações metodológicas com a renovação da Geografia e a tendência para a especialização, dado tratar-se de um trabalho de Geografia física, de Geomorfologia. O seu autor era bolseiro do IAC, traduzindo o esforço de europeização da ciência portuguesa.

  • 21 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, Currículum Vitae de 1933.
  • 22 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, Carta de Amorim Girão de 29/09/1933.

47António de Medeiros Gouveia (1900-1972) era Licenciado pela FLUL (1928) e tinha exame de Estado na Escola Normal Superior (1931). Foi professor do ensino liceal. Fez um estágio de um mês na Columbia University de Nova Iorque, em data desconhecida, estudando «os processos e métodos do ensino da Geografia na light school».21 Em 1933, candidata-se e recebe uma bolsa de estudo, sucessivamente renovada, para estudar em Paris, sob os auspícios dos professores franceses. Amorim Girão, que falava da urgente necessidade de intensificar os estudos geográficos em Portugal, foi uma das referências para obtenção da bolsa de estudo.22

  • 23 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, «Ano 1933-1934: 1º Relatório».
  • 24 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, «Relatório da atividade e aproveitamento: Março/Junho 1934». A ideia, su (...)

48Em Paris, Medeiros Gouveia começa por seguir as aulas de Geografia física de Emmanuel de Martonne (1873-1955) e André Cholley (1886-1968) e de Geografia humana de Albert Demangeon (1872-1940).23 Depressa abandona estas últimas e começa a frequentar aulas dos geólogos Léon Luteaud (1883-1964) e Jacques Bourcart (1891-1965) (Ribeiro, 1989, 174; Ribeiro, 1990, 318-319; Ribeiro, 2016, 973).24 O primeiro era professor de Geografia física na Faculdade de Ciências da Universidade de Paris, desde 1926 e Diretor do Laboratório de Geografia física e Geologia dinâmica da mesma Universidade. O segundo era maître de conférences de Geografia física, na Sorbonne, desde 1933, e tinha interesses na Geologia de Marrocos e no Quaternário. Em 1938 publica um importante artigo sobre a «flexura continental» (Bourcart, 1938, 393-474), onde relaciona o relevo de Marrocos com as teorias «mobilistas».

  • 25 PT/MNE/CICL/IC-1/01262/01, Carta de Medeiros Gouveia de 2/01/1935 e Carta de Francisco Leite Pinto (...)
  • 26 PT/MNE/CICL/IC-1/01262/01, carta de Francisco Paula Leite Pinto de 4/06/1935. Teixeira, 1984.
  • 27 PT/MNE/CICL/IC-1/00488/02.
  • 28 PT/MNE/CICL/IC-1/00488/02, Carta de Francisco Paula Leite Pinto de 18/02/1936 e Carta de Amorim Gir (...)

49Enquanto bolseiro da JEN, Medeiros Gouveia teve a ideia de promover a troca de bolseiros entre Portugal e a França25 e esteve na origem da deslocação de Jacques Bourcart e o geólogo Georges Zbyszewski (1909-1999) a Portugal, Espanha e Marrocos, no verão de 1935, para estudar o Quaternário e o litoral destes países (Teixeira, 1984, 13; Zbyszewski, 1984, 49-50).26 Participou em várias saídas de campo e numa excursão a Itália, para estudo do vulcanismo, em setembro de 1936.27 Promoveu ainda a divulgação em Portugal de filmes que poderiam servir de modelo a produções portuguesas destinadas ao ensino da Geografia, e conferências na Universidade de Coimbra sobre as teorias mobilistas.28

  • 29 PT/MNE/CICL/IC-1/00397/13, Carta do Secretário Interino da JEN (assinatura ilegível) de 15/01/1937. (...)
  • 30 PT/MNE/CICL/IC-1/00397/13, Carta de Léon Luteaud de 28/01/1938.

50Para a realização da tese de Doutoramento, o trabalho de campo mais intensivo foi realizado durante o ano de 1937, em conjunto com Bourcart e Zbyszewski, pedindo a JEN ao Governador Civil de Faro que Gouveia fosse dispensado de se apresentar aos administradores concelhios (Zbyszewsky 1984, 49-50),29 demonstrando o valor científico e económico do projeto. Em fevereiro de 1938 a tese já estava pronta, considerando-se ser de «grande interesse para o conhecimento detalhado de uma importante região de Portugal».30 Os investigadores publicam resultados através da Academia das Ciências de Paris (Gouveia et. al. 1937-a, 1207-1209; Gouveia et. al. 1937-b, 1435-1437).

51Enquanto os anteriores doutorandos foram sobretudo autodidatas, o geógrafo açoriano foi acompanhado por Jacques Bourcart, enquanto desenvolvia trabalho de campo e realizou estudos em conjunto com Georges Zbyszewsky. Essas relações notam-se nos temas e nos espaços da investigação e na publicação de resultados.

  • 31 O termo «fisiografia» tem origem inglesa, visando ser uma ciência integradora das restantes ciência (...)
  • 32 Anuário da Universidade de Coimbra, (Coimbra: 1938-1939), 285.

52A tese intitulou-se Algarve (Aspetos Fisiográficos) (Gouveia 1938).31 Foi o único doutoramento na FLUC no ano letivo 1937/38, sendo aprovada por unanimidade.32 Nela, Medeiros Gouveia defende a especialização da Geografia para combater o trabalho superficial, assente em generalidades. Assim, preconiza uma forte relação da Geografia com a Geologia, onde a primeira explica o presente das unidades que compõem a paisagem e a região:

A face atual da Terra, campo do estudo da Geografia. (…) Para compreender e interpretar a sua fisionomia necessita o investigador de se munir do método e do conhecimento das ciências da natureza, particularmente da Geologia (…) A atitude do geógrafo, diferente da do geólogo, porque os seus fins são outros, confunde-se com a deste durante largo percurso porque os caminhos são afins. O edifício geográfico caraterístico e autónomo tem, todavia, suas raízes no domínio da Geologia, pois que a reconstituição paleogeográfica que nos explica o presente só é possível em condomínio. (Gouveia 1938, 13)

  • 33 A receção destas ideias pode ser lida em: Carvalho, 2014, 201-220. Apenas nos anos 1960-70 a Teoria (...)

53Medeiros Gouveia centra o seu estudo nos aspetos do relevo justificando a decisão com o facto de influenciarem a fisionomia das regiões em relação ao clima, vegetação e ocupação humana. Para interpretar a Geomorfologia recorre às teorias mobilistas do alemão Alfred Wegener (1880-1930) e do suíço Émile Argand (1879-1940), perspetivas científicas à época ainda recentes e não totalmente aceites.33 Baseando-se em trabalho de campo, não faltam na tese fotografias, mapas, cortes geológicos e perfis topográficos.

54O trabalho inicia-se com «A região e os seus limites», onde o autor propõe uma fronteira norte para o Algarve, fixando-a no rio Mira e na ribeira de Oeiras. Destaca três sub-regiões: Alto Algarve (a serra), Algarve calcário (em torno de Loulé) e Baixo Algarve (o litoral). Sintetiza as conclusões do seu trabalho destacando como a tectónica recente influenciou a paisagem e é responsável pela fisionomia geográfica da região (Gouveia 1938, 32).

55Medeiros Gouveia divide o estudo em duas partes, «Geomorfogenia» com a composição dos materiais e os movimentos orogénicos e falhas, e «Geomorfologia». Conclui que contribuiu «(…) para o conhecimento da tectónica da província, das causas determinantes da construção das linhas matrizes do seu relevo, e a sua evolução até hoje.» (Gouveia 1938, 145). É um trabalho num domínio especializado da Geografia física, a Geomorfologia, que ignora elementos como a climatologia, a vegetação e todos os aspetos humanos. Se não segue a via da monografia regional dos outros Doutoramentos até então defendidos, preocupa-se com as possibilidades de potencialização agrícola dos solos, na medida em que o estudo do relevo e dos seus fatores, apresenta uma aplicação na agricultura e na construção de infraestruturas, particularmente de vias de comunicação. Na dissertação existem referências a estas duas aplicações e ainda à navegabilidade dos rios.

  • 34 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, Curriculum Vitae de António Medeiros Gouveia.

56A Fisiografia do Algarve foi defendida na Universidade de Coimbra dado ser esta a Universidade mais antiga e prestigiada do país, mas também pelo facto do doutorando conhecer Amorim Girão dos Cursos de Férias universitários organizados em Coimbra.34

57A Fisiografia do Algarve foi bem recebida pelos geógrafos que a consideraram «Estudo claro e cuidado. [Com] Novos elementos para o conhecimento geológico e morfológico da região.» (Lautensach, 1948, 233). Testemunha a receção das teorias mobilistas entre os geógrafos portugueses, através da Geografia francesa. A sua restrita difusão dever-se-á, por um lado, ao facto de se basear em teorias não totalmente aceites entre a comunidade científica e, por outro, se tratar de um domínio especializado da Geografia física num período em que se privilegiava a Geografia como um todo, e, finalmente, também, ao trajeto profissional do autor, que fez carreira na estrutura administrativa do IAC e lecionou na Escola Superior Colonial, tardiamente.

58Assim, na Universidade de Coimbra foram apresentados três doutoramentos em Ciências Geográficas, todos influenciados pela conceção francesa da Geografia: duas monografias regionais e um trabalho especializado. Testemunham a preocupação com a renovação metodológica da disciplina e o reconhecimento e a valorização do território nacional.

Teses de Geografia em Portugal: a Universidade de Lisboa

  • 35 Tal como o trabalho de Orlando Ribeiro, este Doutoramento foi primeiro editado como separata da Rev (...)

59O primeiro Doutoramento em Ciências Geográficas na Universidade de Lisboa foi o de Orlando Ribeiro, em 1936. Dois anos depois foi a vez de José Gonçalo da Costa Santa Rita (1890-1967) apresentar o trabalho O Problema das Fronteiras— Conspecto Geral, a 21 e 22 de outubro. O Doutoramento não agradou ao júri, tendo obtido 6 esferas brancas e 7 esferas pretas.35 O autor era licenciado em Direito e em Ciências Histórico-Geográficas pela Universidade de Lisboa. Fez carreira como professor do ensino secundário, normal e superior (FLUL e Escola Colonial, onde já lecionava em 1936), tendo publicado trabalhos sobre questões pedagógicas e temas de colonização.

60José de Santa Rita divide o seu estudo em dois capítulos «A fronteira e os seus problemas» e «Alguns tipos de fronteira». No primeiro, considera o problema das fronteiras de grande atualidade (Santa Rita, 1936, 6). É um fenómeno complexo que interessa a Geografia por envolver múltiplos fenómenos e delimitar um Estado. Aborda a evolução histórica das fronteiras referindo inúmeros autores e exemplos, desde as sociedades primitivas, até ao presente. Distingue «o limite determinado pela natureza para o quadro geográfico de uma nação» (Santa Rita, 1936, 18), da noção jurídica de fronteira, fixada politicamente, refletindo sobre a evolução destes fenómenos. Opõe depois o «princípio das fronteiras naturais» ao «princípio das nacionalidades», que radica na Revolução Francesa, por vezes entrando em conflito, dando exemplos europeus. Debate a noção de fronteira natural, considerando os rios, como o relevo, elementos muito importantes (Santa Rita, 1936, 29) com alto valor estratégico. Dá exemplos discutindo as perspectivas de vários autores, aborda a classificação das fronteiras e esboça um novo tipo de classificação.

61No segundo capítulo, explica como os diversos fenómenos geográficos podem ser utilizados como fronteiras desde que tenham características marcantes, como extensão e impenetrabilidade, altitude e declives acentuados. Conclui que os acidentes naturais têm valor e «(…) as fronteiras políticas se tinham ido adaptando o mais possível a particularidades geográficas (…) que assegurassem melhor um dos objetivos essenciais da fronteira, a separação e a defesa, dando-lhes os caracteres de fronteiras naturais» (Santa Rita 1936, 77).

62Trata-se de um trabalho de Geografia de gabinete, muito datado, que não aborda diretamente Portugal. São referidos muitos autores, cujas ideias se discutem, dando-se relevo aos fenómenos naturais, numa ótica determinista. A obra não possui mapas ou outras representações gráficas, traduzindo a ausência de trabalho de campo. Foi considerado um «mero e sucinto exercício teórico» (Medeiros 1990, 69).

63Este estudo deve ser enquadrado na recepção e apropriação portuguesa das obras e conceitos relativos à Geopolítica que circularam na Europa nas décadas de 1920 e 1930. Relaciona a situação geopolítica com a instabilidade das fronteiras em todo o continente, vindo daí a necessidade de analisar e procurar um novo conceito de classificação dos limites políticos, num exercício de «retórica geográfica». Este Doutoramento é um elemento de uma série de reflexões sobre a individualidade geográfica de Portugal e a Geografia das fronteiras nacionais, nas primeiras décadas do século XX (Teles 2011, 179-185).

64Apesar de Santa Rita não o referir, o seu trabalho terá influência de Luís Schwalbach, o catedrático de Geografia da Universidade de Lisboa que estudou problemas de Geopolítica internacional, interessando-se pelos aspetos geográficos dos conflitos mundiais (Ricardo 2018).

  • 36 Universidade de Lisboa, Reitoria Livro de Doutoramentos da Faculdade de Letras, 1929 a 1964, PT/ULI (...)

65A outra tese de Doutoramento apresentada à FLUL é realizada por José de Oliveira Boléo. As provas decorreram nos dias 3, 4, 6 e 9 de abril de 1940, obtendo aprovação por unanimidade.36 Este autor concluiu o Curso na Escola Normal Primária de Lisboa e concilia a vida profissional com o curso da Escola Colonial, licenciatura em Ciências Histórico-Geográficas e em Ciências Pedagógicas na FLUL. Era professor metodólogo na Escola Industrial de Afonso Domingues, sendo autor de vários compêndios para o ensino secundário, onde exerceu docência.

  • 37 A tese é publicada em 1940. As provas foram marcadas para depois da Páscoa por conveniência do argu (...)

66Oliveira Boléo filia-se na perspetiva determinista da Geografia, concedendo aos fatores naturais o maior pendor explicativo na fisionomia das paisagens, ultrapassando a capacidade humana que é subjugada pela Natureza: «(…) a lição dos factos obriga-nos a considerar como muito limitado o esforço do Homem na sua luta contra a natureza (…) Contra as grandes convulsões da natureza o Homem soçobra sempre» (Boléo 1940).37

67Estuda uma área restrita à escala local — Sintra (uma pequena serra a noroeste de Lisboa) e a sua área envolvente — com base em trabalho de campo, lamentando a falta de colaboração na realização de inquéritos, e aplicando a fórmula da monografia regional. Divide-a em três partes: Geomorfologia, onde engloba as condições topográficas e geológicas, altimétricas e correspondentes à costa, hidrográficas e climatéricas; Biogeografia, abarcando a fitogeografia e a zoogeografia; e Antropogeografia, estudando a demografia, agronomia, exploração do solo, exploração do subsolo, exploração animal e factos de circulação. Tem preocupação com a valorização do território de maneira implícita, procurando radicar-se nos esforços levados a cabo pelos seus colegas de Coimbra, em particular Amorim Girão (Boléo 1940, 13).

  • 38 É de notar que dos 3 trabalhos seus indicados na Bibliografia Geográfica de Portugal (1948) dois es (...)

68Apesar de realizar trabalho de campo, recorrer a bibliografia e elaborar mapas, gráficos, tabelas e esquemas e recorrer a fotografia para destacar informação ou traços que considera importantes, é um trabalho com uma abordagem perfunctória, destinando-se mais ao turismo do que à Ciência. É neste contexto que se deve ler a segunda edição do estudo ocorrida em 1973, sob os auspícios da Câmara Municipal de Sintra (Boléo 1973).38

69Na FLUL foram assim defendidos três Doutoramentos, por autores com duas diferentes perspetivas de Geografia. Um trabalho versando as fronteiras, uma reflexão teórica sem trabalho de campo e outro, que se filia no esforço de reconhecimento e valorização do território sob a forma de monografia regional, mas com menor qualidade do que os seus congéneres.

70Aplicando a este período a ideia de círculos de afinidade de Vincent Berdolay (2008, 141-181), podem-se distinguir três em Geografia. Um, com Amorim Girão à cabeça, de influência francesa, marcado pela abordagem monográfica regional e preocupação com o reconhecimento e valorização do território nacional; outro, sob égide de Luís Schwalbach, cultivando a Geopolítica e o terceiro, de uma Geografia especializada sob a influência dos geólogos franceses. Privilegiam-se os métodos qualitativos, destacando-se o trabalho de campo e, no caso de Santa Rita, o comentário de bibliografia. O talento individual de cada geógrafo influencia diretamente a qualidade do trabalho final. A reprovação de alguns dos trabalhos influenciará a forma como a disciplina será concebida, estruturada e solidificada em Portugal.

Orlando Ribeiro e as monografias regionais francesas: o trabalho de campo

  • 39 Para conhecer mais sobre este geógrafo português ver: Braga, J. «Ribeiro, Orlando» Dicionário CIUHC (...)

71Orlando Ribeiro (1911-1997)39 defende provas de Doutoramento sobre a serra da Arrábida (pequena cadeia montanhosa perto de Setúbal, na margem sul do Tejo) em 1936. É um trabalho original, de reconhecimento e interpretação de uma parcela do território nacional cuja aplicação está implícita, seguindo a linha de pensamento do autor, inspirado nas monografias regionais de Geografia francesa.

  • 40 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 1: Bn-acpc-e-d12-1_050_47_t24-C-R015 (...)

72Não se pode alhear o tema e a área da tese de Doutoramento de Orlando Ribeiro da proximidade a Lisboa, onde o autor residia, da frequência do curso de Geologia de Ernest Fleury (1878-1959), no Instituto Superior Técnico (IST-onde se formam engenheiros), dos contactos com o etnógrafo José Leite de Vasconcelos (1858-1941) e do trabalho que o geógrafo desenvolveu como bolseiro da JEN. É à frequência das aulas no IST que se liga o primeiro caderno de campo do geógrafo que chegou até nós. Neste documento, do início de 1932, além do traçado de diversos cortes geológicos correspondentes a áreas dos arredores de Lisboa, encontram-se apontamentos etnográficos e um esboço de paisagem da «Baía de Cesimbra»,40 o que prova o seu interesse pela região.

  • 41 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 2: Bn-acpc-e-d12-2.

73No segundo caderno de campo, datado de junho de 1932, Ribeiro começa a explorar a serra da Arrábida tomando notas sobre o que vai observando na paisagem e dos itinerários que realiza, elabora croquis de paisagem e cortes geomorfológicos e destaca a Geografia humana e a Etnografia, como as concebia na altura, a ocupação do território por fenómenos humanos: culturas agrícolas, caraterísticas das casas, povoamento e traje popular.41

  • 42 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09.

74Deste modo, o jovem Orlando Ribeiro, decide escolher a península de Setúbal como objeto de estudo do trabalho de investigação a desenvolver. Para isso, solicita apoio à JEN, em julho de 1933.42

  • 43 Era já a sua intenção quando se propôs pela primeira vez como bolseiro e manifestou diversas vezes, (...)
  • 44 Mas Ribeiro, pelo menos desde 1930, pretendia seguir a via da investigação, tendo, por intermédio d (...)

75Ribeiro tinha 22 anos, era recém-licenciado e vivia com a família. Manifestava já intenção de mais tarde aperfeiçoar, no estrangeiro, os seus conhecimentos. Tinha no prelo o artigo sobre «Barros Gomes, Geógrafo». Acrescentava ao requerimento de bolsa, datados de julho de 1933, pareceres de Luis Schwalbach, seu professor das cadeiras de Geografia na Faculdade de Letras, de José Leite de Vasconcelos, que o apresenta como tendo gosto pelos estudos etnográficos «que relaciona com os de Antropogeografia», e de Ernest Fleury, declarando ter Ribeiro acompanhado no ano letivo 1932/1933 «todos os trabalhos teóricos e práticos da cadeira de Geologia e respetivo laboratório»).43 Será nesse mês que Orlando Ribeiro decide definitivamente realizar o Doutoramento.44

  • 45 O segundo volume não estava ainda publicado.
  • 46 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúbal.

76O jovem investigador apresenta o «Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúbal», como estrutura do que pretendia ser tese de Doutoramento. Paralelamente, informa também da vontade de estudar a Geografia da população portuguesa, numa «tese complementar», como acontecia em França). Como referências de trabalhos a seguir, o jovem aprendiz de geógrafo aponta o estudo de Hermann Lautensach sobre a Geografia de Portugal (apenas o primeiro volume, 1932)45 e as monografias de Aristides de Amorim Girão e de Vergílio Taborda, pretendendo contribuir para a «Geografia científica» nacional.46 As referências de Ribeiro são tanto portuguesas de influência francesa como alemã.

  • 47 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúbal, 2.

77O candidato a bolseiro indica já ter feito a recolha de elementos bibliográficos e algumas excursões (pelo menos 2). Apresenta depois o plano da obra: 1) carateres gerais e limites da região. Fontes de estudo; 2) O solo. Composição estrutura e relevo; 3) As águas; 4) Clima e vegetação; 5) Ocupação humana; 6) As aglomerações humanas, onde inclui as vias de comunicação; 7) Relações geográficas; e 8) Conclusões (a) fisionomia de conjunto e tipos de paisagem e b) A península de Setúbal e o resto de Portugal.47

78Orlando Ribeiro apresenta um plano clássico de uma monografia regional, bastante equilibrado entre fenómenos naturais e humanos, revelando ter já uma boa ideia do tipo de trabalho que pretende fazer, em especial, o estudo das relações existentes com outras regiões do país e da caraterização de sub-regiões. Propõe-se suprir com trabalho de campo a carência de fontes documentais. O apoio da JEN seria necessário para:

  • 48 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúba», 2-4.

(…) estudar uma região comparativamente com outras (e só assim é possível definir os carateres que são próprios a cada uma) é necessário percorrer atentamente uma grande área. É meu intento, se os recursos que a Junta me fornecer o permitirem, publicar sobre as regiões enumeradas no número 7 [Lisboa, Extremadura cistagana, Alentejo, Ribatejo, Vale do Sado e Algarve] não já estudos exaustivos e metódicos, mas pequenas contribuições para futuros trabalhos de maior vulto, porque sobre a maior parte do nosso país a documentação que existe é insuficiente (…).48

  • 49 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúbal, 4-5.

79O estudo complementar que pretendia fazer sobre a distribuição da população portuguesa, assentaria igualmente em trabalho de campo e documentação histórica, cruzando fatores naturais e humanos, com o equilíbrio necessário a um trabalho científico, para explicar a localização, distribuição e diferenças regionais existentes.49

  • 50 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº3:Bn-acpc-e-d12-3_0021t24-C-R150

80Em novembro de 1933 explora os arredores de Lisboa (Cacilhas, Lazarim, Costa da Caparica e Torres Vedras). Dá atenção às casas, aos materiais de construção e respetiva planta, mas também às formas de relevo e depósitos de vertente. Toma notas para observações futuras, depois da excursão, estabelecendo relações: «Verifica a distribuição e composição dos matos na s.[ua] relação com a Geologia (…)».50 Será nesta excursão à Costa da Caparica que lhe terão acontecido os maus encontros que narra nas suas «memórias»:

Há muito tempo que a Outra Banda atraía a minha curiosidade (…) À Costa da Caparica (…) levara-me a curiosidade na primeira excursão que me recordo de ter feito com um companheiro do liceu (…) quase só havia barracas de madeira, cobertas de estorno — uma gramínea do areal — e que a nossa presença causou tal estranheza que os moços da terra nos correram à pedrada… (Ribeiro 2003, 81)

81A 21 de fevereiro de 1934, a JEN concede-lhe uma bolsa de estudo no valor de 300$00 mensais (por essa época um jornal diário custava 30 centavos), com efeitos a partir de março desse ano. A dinâmica de trabalho de Orlando Ribeiro ganha um novo alento.

  • 51 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 4, Bn-acpc-e-d12-4. Usaram-se os cad (...)
  • 52 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 5, Bn-acpc-e-d12-5.

82A 27 de março 1934 visita a «Arrábida, vales e colinas de Setúbal»51; a 4 de outubro de 1934 percorre o Alentejo e o Algarve, Região de Lisboa e Sesimbra. Será a esta excursão que se devem filiar as conclusões da tese, reconhecendo as similaridades entre o Algarve e a Arrábida.52

  • 53 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 6, Bn-acpc-e-d12-6.
  • 54 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, «Relatório apresentado à Junta de Educação Nacional» de 26 de junho de 1 (...)
  • 55 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 7, Bn-acpc-e-d12-7.

83A 21 de junho de 1934 revisita Azeitão e a Arrábida na companhia do «humanista», futuro etnógrafo, Manuel Viegas Guerreiro (1912-1997). Estudam a Geografia botânica e fazem esboços e cortes geológicos53. Considera a exploração da serra quase terminada 54. A 22 de Agosto de 1934, faz um percurso de reconhecimento de Santana ao Cabo Espichel. Elabora um corte geológico, anota a relação do povoamento com o relevo, reflete sobre as divisões das propriedades, compara as casas existentes «casas de colmo do tipo da costa [da Caparica]» e distingue o tipo de habitat. Segue os trabalhos de Paul Choffat (1849-1919), relacionando o relevo e a linha de costa com as caraterísticas geológicas e a erosão marinha, o que explicará o capítulo IV da tese.55

  • 56 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 8, Bn-acpc-e-d12-8.
  • 57 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 9, Bn-acpc-e-d12-9.
  • 58 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 10, Bn-acpc-e-d12-10 e BNP, Espólio (...)
  • 59 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, «Relatório apresentado à Junta de Educação Nacional» de 26 de junho de 1 (...)

84Nos dias 1 e 2 de setembro do mesmo ano, Ribeiro está de novo em Azeitão e na Arrábida, distinguindo já áreas no interior da serra.56 No mês seguinte volta ao Cabo Espichel e a Sesimbra. Em novembro excursiona com colegas do Colégio Infante de Sagres (onde leciona entre 1933 e 1937) ao Alto Alentejo,57 testemunhando como o seu trabalho científico interdisciplinar também deriva do convívio com indivíduos com outras formações. Nesse ano de 1934, faz ainda mais duas excursões. Realiza perfis topográficos, cortes geológicos e esboços de paisagem na área de Palmela e tem em atenção a ocupação do solo e a «morfologia» fazendo esboços de paisagem.58 As excursões cobriram a península de Setúbal «com duração média de 12 horas por dia e obrigam a deslocamentos a pé de 25 a 30 quilómetros».59 Ribeiro considerava o trabalho de campo em que assentava a sua investigação, fundamental para renovar o ensino da Geografia na Universidade, juntando teoria e prática, no esteio da pedagogia de Pestalozzi:

  • 60 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, «Relatório apresentado à Junta de Educação Nacional» de 26 de junho de 1 (...)

Esta permanência no campo, em íntimo contacto com a realidade geográfica, permitir-me-á inaugurar, no ensino superior, um método novo que há muito se pratica lá fora, com os mais brilhantes resultados: a aprendizagem da Geografia na aula e no campo, a conjugação fecunda da teoria e da prática.60

85Será desta experiência que nascerão dois ditos que se tornaram célebres entre os seus alunos: «Os geógrafos não se dissolvem na água» e «a Geografia faz-se com a planta do pé». Ambos transmitem bem as caraterísticas do trabalho de campo.

Uma monografia regional

  • 61 PT/MNE/CICL/IC-1/00537/06, «Relatório apresentado à Junta de Educação Nacional de Junho de 1935».

86No que respeita à escrita da tese, em abril de 1935, teria a parte de Geografia física já concluída. Nota em carta a Leite de Vasconcelos que continuaria a redigir «a parte de Geografia humana, coisa muito mais delicada e difícil» (pois era necessário escapar ao determinismo), de uma dissertação em que se estudava apenas uma pequena cadeia montanhosa (Alegria et. al., 2011, 84). Em junho de 1935 dá conta oficialmente da mudança do tema de tese, restringindo-a à Arrábida.61 O jovem geógrafo sentia que tinha já muito material reunido e conseguiria fazer um estudo mais profundo se optasse por uma área mais reduzida, uma pequena região natural, marcada pelo relevo. Não há vestígios de exigências sobre prazos para entrega do trabalho da parte da JEN. No final desse ano a tese é impressa.

87A estrutura do estudo tem uma orientação historicista dando conta da evolução ao longo do tempo dos fenómenos que vai caraterizando e discutindo as ideias de vários autores que sobre eles se debruçaram anteriormente. Tem também como finalidade delimitar esta região (que faz de forma fluida) e destacar-lhe a originalidade, podendo ser classificada como ideográfica. Os fenómenos naturais e humanos são interrelacionados para se proceder à explicação de fenómenos observáveis na paisagem. Ultrapassa a falta de dados existentes, socorrendo-se do contacto direto e de questionários à população, tal como os geógrafos coevos, até porque «a serra é pequena e pode bem correr-se a pé!» (Ribeiro 1935, 91).

88No «Prefácio» regista a finalidade da tese, «uma contribuição para o conhecimento da Geografia regional de Portugal». Como referimos, a origem da escolha do tema prende-se com a existência desta «pequena região natural, não longe de Lisboa e com meios de comunicação relativamente fáceis». O autor tem em conta as suas principais limitações, pois trata-se de um trabalho especialmente dedicado à Geografia física (particularmente a Geomorfologia) e não dispor de aparelho iconográfico:

O capítulo sobre Geografia humana, por exemplo, pouco mais é do que um programa de futuros estudos. As dificuldades materiais não permitem que este esboço vá acompanhado de mapas, desenhos e fotografias, hoje indispensáveis em trabalhos desta índole. (Ribeiro 1935, 1)

89Orlando Ribeiro esboça os carateres gerais da área em estudo e os seus limites a partir da descrição da paisagem e da carta geológica. Relaciona Geologia com morfologia e vegetação que distinguem a Arrábida das áreas circundantes e dificultam o estabelecimento do Homem. Considera esta pequena cadeia montanhosa uma sub-região natural no interior da Estremadura, filiando-se na divisão proposta por Amorim Girão.

90Os três primeiros capítulos são dedicados à Geologia e Geomorfologia, tendo como referências os trabalhos de Paul Choffat. Na «Arquitetura do solo» destaca sobretudo margas, calcários, areias «traduz[em]-se na paisagem por uma planície de relevo frouxo revestida de charneca e de pinhal» (Ribeiro 1935, 27) e filões de rochas vulcânicas. Relaciona a existência de arribas com falhas que em conjunto com anticlinais e sinclinais compõem os tipos de deslocações observados, agrupados em três linhas. A sismologia aborda os eventos tectónicos e suas consequências. Na parte relativa a orogenia e paleogeografia ensaia a reconstituição dos eventos geológicos que marcaram a litologia e o relevo.

91Distingue cinco «Fatores do relevo» mais importantes. A variação de precipitação durante os períodos glaciários do quaternário, a natureza das rochas que influenciou a erosão, as influências estruturais e a «erosão normal» devida aos cursos de água de carácter torrencial, ligada às caraterísticas da precipitação.

92Nas «Formas de relevo» aborda a «montanha» que se destaca pela altitude, a «colina», a «escarpa interior», o «vale das ribeiras», vários barrancos de erosão torrencial, o «vale tifónico de Sesimbra» e uma superfície de erosão que apelida de «planalto ocidental».

93No quarto capítulo aborda «O litoral» que se distingue pela influência marítima. Relaciona o relevo submarino com a tectónica e as formas existentes, descrevendo o efeito da erosão litoral sobre as rochas.

94Carateriza o clima usando observações pessoais e informações dos habitantes devido à falta de séries e dados meteorológicos. Liga os aspetos climáticos à exposição e orientação das vertentes (relevo), influência oceânica e afastamento ou abrigo do mar.

95A fisionomia da vegetação revela a influência da exposição ao sul ou abrigo dos ventos, humidade do mar ou secura das áreas aplanadas, o peso do relevo e tipos de solo. Ao contrário de outras monografias, Ribeiro não estuda a variedade da fauna, talvez por a considerar móvel e efémera. Nota-se a influência dos trabalhos de Jules Daveau (1852-1929).

96Apenas no último capítulo são abordados aspetos da Geografia humana. A «ocupação económica» debruça-se sobre as culturas, floresta, criação de gado, materiais de construção (a brecha da Arrábida é usada em igrejas em Setúbal, Palmela e Lisboa), fábrica de cimento e a pesca ligada a aspetos industriais, como a extração de sal. Esta parte é pouco desenvolvida, apesar de interrelacionar os vários aspetos. A abordagem ao povoamento é historicista recorrendo à toponímia e fontes históricas e literárias para compreender a paisagem. Fala depois da distribuição da população/habitat rural e particularidades da casa rural e dos fatores de evolução de Setúbal, Sesimbra e Palmela. Os factos de circulação são ligados aos fenómenos naturais, evolução económica e turismo, resultando de observações do autor.

97A tese carateriza, interrelacionando fatores da Geologia, clima e vegetação com fenómenos humanos, menos influentes, uma pequena região natural nos arredores de Lisboa. É a Geomorfologia que lhe confere unidade, mas o clima mediterrâneo e a vegetação permitem-lhe uma singularidade, que se confirma através de uma comparação com outras regiões:

(…) a Arrábida é estremenha pela morfologia do solo e pelos aspetos da ocupação humana; pelo clima e pela vegetação difere muito das regiões mais próximas; só no Algarve se encontram analogias, ainda assim superficiais, porque não pode abstrair-se das relações de posição— uma nesga mediterrânea entre terras e águas atlânticas. (Ribeiro 1935, 94)

98Este trabalho é um modelo no método de estudo regional realizado por Orlando Ribeiro, ao interrelacionar fenómenos naturais e humanos para caraterizar um espaço, que se delimita de forma mais fluida ou rígida, distinguindo o fator ou fatores que conferem unidade à região e procurando, através de comparações, destacar aquilo que distingue esse espaço dos circundantes. O modelo para a realização da tese deve ser a tese de Doutoramento de Albert Demangeon (1872-1940). Traduz já aquilo que carateriza a maior parte dos seus trabalhos: mescla influências diversas, hauridas em bibliografia, com muito trabalho de campo, assumindo uma visão original e pessoal do fenómeno estudado, numa Geografia original e de síntese. O método empregue é qualitativo, destacando-se a observação no campo e o inquérito às populações locais e a análise de cartografia geológica confrontada com observação direta.

99Inova no quadro territorial abordado, uma pequena região com pouca influência do Homem, dando importância à escala local, ao pormenor. A Geografia é a única disciplina abordada, tal como nas outras teses coevas, autonomizando-se da História, pois os fenómenos temporais vão apenas suportar a fisionomia da temática em causa.

Defesa e receção de uma tese

  • 62 Universidade de Lisboa, Reitoria Livro de Doutoramentos da Faculdade de Letras, 1929 a 1964, PT/ULI (...)

100Orlando Ribeiro defende a sua tese de Doutoramento, A Arrábida, esboço geográfico, a 28 de março de 1936. As provas decorreram nos dias 24, 25, 27 e 28 desse mês, cumprindo-se o estipulado pela legislação, e obtendo o candidato o grau de Doutor, por unanimidade («12 esferas brancas») (figura 2) (Alegria et. al., 2011, 88).62 A dissertação tinha sido publicada como separata da Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, impressa em dezembro de 1935. Será publicada no mesmo periódico, sob a forma de artigo, em 1936.

101Fig. 2.- Classificação de A Arrábida

102Universidade de Lisboa-Arquivo da Reitoria

  • 63 Universidade de Lisboa-Arquivo da Reitoria- Livro de Doutoramentos da Faculdade de Letras, ano 1929 (...)

103A maioria dos elementos do júri de Doutoramento eram professores da FLUL, mas também havia dois docentes da FCUL. Os arguentes foram Luis Schwalbach e Alfredo Augusto de Oliveira Machado e Costa (1870-1952).63

104Do doutoramento surgem ecos na imprensa. Realça-se que:

  • 64 “Novo Doutor” in Voz, 30 de março de 1936, BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro.

(…) o doutoramento estudou não só a geomorfologia da região, mas também vários aspetos da sua geografia humana. Muito bem documentado e com pontos de vista originais (...) [a] aprovação foi por unanimidade.64

  • 65 “Um Livro de são nacionalismo” in Novidades, sábado, 25 de Abril de 1936, BNP Espólio do professor (...)
  • 66 “Um Livro de são nacionalismo” in Novidades, sábado, 25 de Abril de 1936, BNP, Espólio do professor (...)
  • 67 “Doutoramento em Ciências Geográficas”, Diário de Notícias, 29/03/1936.

105Noutro periódico, ligado às correntes nacionalistas, chamam-lhe «Um livro de são nacionalismo»,65 por revelar o interesse pelo território português. Relaciona-se a monografia com o retomar dos estudos sobre o país feito especialmente por geólogos no século XIX (concretamente, Carlos Ribeiro e Paul Choffat) transmitindo vergonha por «serem estrangeiros os que mais se vão evidenciando nas investigações da Terra pátria». Destaca-se assim o trabalho de Orlando Ribeiro fazendo votos para que tivesse continuidade.66 Na primeira página do Diário de Notícias também se noticia «Doutoramento em Ciências Geográficas» (o primeiro em Geografia na Universidade de Lisboa). Considera as provas brilhantes e nomeia membros do júri e trabalhos publicados de Orlando Ribeiro (fig. 3).67

106Fig. 3- O Doutoramento de Orlando Ribeiro na imprensa coeva

107Diário de Notícias, 29/03/1936

  • 68 Este trabalho foi também uma das fontes da tese de Doutoramento como se nota nas referências a Frei (...)

108Os sectores políticos nacionalistas mostravam-se interessados no reconhecimento e valorização do território nacional e viam a Geografia como um instrumento indispensável ao desenvolvimento do país. Orlando Ribeiro também se deve ter apercebido desta perspetiva, dedicando um estudo científico a um espaço, a cujos coetâneos reconheciam enorme potencial turístico, comparando-a com as serras de Sintra e do Buçaco e apontando-lhe a falta de vias de comunicação (Rasteiro et. al., s/d [1924], 667-691).68 De resto A Arrábida destaca-se como estudo de Geomorfologia cuja aplicação implícita poderá estar, por exemplo, na construção de estradas.

  • 69 É igualmente a posição de Suzanne Daveau, (Daveau, 2013, 33-35). O professor terá também uma experi (...)

109Quanto à aplicabilidade da Ciência e sua relação com a política, Orlando Ribeiro segue a posição do seu mestre Leite de Vasconcelos, nunca afirmando publicamente nada sobre as questões fraturantes. Para essa posição terão concorrido o ambiente do bairro e da família, a frustrada intervenção na Associação Académica, a experiência de Rodrigues Lapa (1897-1989), um filólogo, professor de Orlando Ribeiro, afastado da FLUL por afirmações públicas; ou a consciência da dificuldade de obter uma posição universitária, onde as opções políticas tinham um papel decisivo. A prisão do irmão pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado em 1937, por posições adotadas num ambiente politicamente crispado, terá igualmente concorrido para a confirmação desta posição (Rosas 2013).69

  • 70 Sobre este assunto veja-se: Costa, J. Braga. Geografia de Lisboa Segundo Orlando Ribeiro, Mestrado (...)

110O trabalho científico para Ribeiro era um fim em si mesmo, devendo justificar-se pelo gosto em realizá-lo devendo o cientista manter a sua liberdade e autonomia (Ribeiro 2013). O facto de ser um trabalho desinteressado não queria dizer que não tivesse utilidade, como o curso de estudos olisiponenses que regerá na década de 1940 (Ribeiro 1945, 3-12).70

111Apesar de ter julgado a sua tese de Doutoramento, um trabalho de juventude, de maneira severa, Orlando Ribeiro, acabará por lhe reconhecer mérito, colocando-o no contexto original:

Pensei primeiro fazer um estudo de toda a península entre o Tejo e o Sado, limitei-o depois à Serra da Arrábida. O trabalho que lhe consagrei é insuficiente. No relevo vi principalmente formas estruturais, a Geografia humana não foi tratada com a devida profundidade, faltam fotografias e desenhos para ilustração do texto, às vezes demasiado preso à descrição do mapa. Procurei depois que as teses dos meus discípulos tivessem outro nível.» [Posteriormente, acrescenta numa nota de rodapé] «Hoje, colocando-a no seu tempo e no que aprendi em Portugal, considero-a um proveitoso exercício de análise e de síntese regional e uma afinação do estilo em que viria a exprimir-me (Ribeiro 2003, 81-82)

112Os geógrafos coevos deram valor relativo a esta monografia: «Primeiro trabalho escrito com clareza e elegância, mas distante, no método e no valor das observações, dos estudos posteriores do A.[utor].» (Lautensach 1948, 197).

113Meio século depois, a tese conheceu uma segunda edição no âmbito da sensibilização ambiental (Ribeiro, 1986) e 10 anos depois da criação do Parque Natural da Arrábida; e uma terceira edição em 2004, testemunhando utilidade e o quanto foi apreciada (Ribeiro, 2004). Foi também a base para um artigo (Ribeiro, 1941-b) e para, no quadro do Primeiro Seminário Internacional de Geografia (1967), ser um guia de uma excursão a este espaço (Ribeiro 1968, 257-273). Orlando Ribeiro promoveu também excursões a esta área enquanto era professor no Colégio Infante de Sagres e, depois, Leitor na Sorbonne (Moser 2016, 985-1001). Também no curso de licenciatura em Geografia, na FLUL, se realizavam visitas de estudo à Arrábida o que originou um interesse dos geógrafos, mesmo os que nunca foram alunos de Orlando Ribeiro, por esta pequena cadeia montanhosa (Mora 2014; Fonseca et. al. 2015). Teve assim um impacto muito superior ao das teses coevas, por força da qualidade e pertinência científica do estudo e da projeção do autor, que após ser Leitor de Português na Sorbonne entre 1937 e 1940, e professor auxiliar na FLUC, foi catedrático na FLUL a partir de 1943.

114A tese contribuiu para tornar mais importante em Portugal a Geografia assente em monografias regionais, muito sob influência francesa, menorizando a abordagem geopolítica e de especialização da Geografia preconizadas por outros autores. Para o domínio desta abordagem regional contribuiu o contexto político nacionalista e autárcico tal como a grande quantidade e qualidade do trabalho realizado por Orlando Ribeiro.

Reflexão final

115As teses de Geografia defendidas em Portugal até 1940 enquadram-se na renovação da Universidade portuguesa e da Geografia, ligando-a ao trabalho de campo, às oportunidades profissionais criadas na Universidade na área das Ciências Geográficas, em 1930 e a um movimento de reconhecimento e valorização do território nacional coevos, sustentado politicamente.

116Correspondem a três formas de encarar a Geografia: monografias regionais, abordagem geopolítica e fisiografia. Sendo a primeira mais útil ao conhecimento e valorização do território por agregar fatores naturais e humanos e igualmente mais fácil de aplicar na modernização administrativa, preconizada pelo regime nacionalista do Estado Novo, acabará por se tornar dominante nas décadas de seguintes.

117Nomes como José de Santa Rita ou António Medeiros Gouveia são hoje praticamente desconhecidos entre os geógrafos, mas estes autores preconizaram abordagens geográficas que acabaram por perder importância com o tempo. As razões político-económicas e institucionais foram decisivas para isso.

118A tradição das monografias regionais torna-se predominante (não única) em Portugal também devido ao gosto pelo ar livre dos seus cultores, em especial Orlando Ribeiro, que praticam uma geografia de dá à História um importante papel explicativo, cujo objeto são as regiões; o método qualitativo, a observação direta e o trabalho de campo; e o programa de investigação, o conhecimento de Portugal e dos seus espaços coloniais com vista à sua valorização (de forma implícita) e, numa primeira fase, o contributo científico para a divisão administrativa. O conceito operatório desta forma de praticar a disciplina é a paisagem, sendo a sua maior vantagem a relação íntima entre Geografia física e humana e a maior desvantagem a sua aplicação manter-se implícita.

119O papel dos professores catedráticos Aristides de Amorim Girão na FLUC e Orlando Ribeiro na FLUL foi fundamental na fixação da tradição de teses de doutoramento sob a forma de monografia regional de influência francesa. Contudo, o caminho trilhado para esse predomínio é mais rico e complexo do que é amiúde transmitido. Pensamos que com este artigo o conseguimos demonstrar.

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Anexo

Anexo: Arquivos e fontes primarias

Anuário da Universidade de Coimbra.

Anuário da Universidade de Lisboa.

Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Doutoramentos.

Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Esp. D12.

Diário do Governo.

Diário de Notícias

Instituto Camões.

Livro de Atas do Conselho Escolar FLUL.

Universidade de Lisboa, Reitoria Livro de Doutoramentos da Faculdade de Letras (1929-1964).

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Notas

1 Para conhecer mais sobre este geógrafo português ver: Braga, J. «Girão, Aristides de Amorim» Dicionário CIUHCT de Cientistas, engenheiros e médicos em Portugal: https://dicionario.ciuhct.org/girao-aristides-de-amorim/

2 Decreto 18 003 de 25 de fevereiro de 1930. Neste enquadramento não se aborda a Faculdade de Letras da Universidade do Porto devido à sua existência efémera (1911-1928), ao facto de não terem sido aí realizadas provas de Doutoramento em Ciências Geográficas e de o professor responsável pelas cadeiras de Geografia, o médico António Mendes Correia (1888-1960) se ter distinguido sobretudo como antropólogo.

3 Para conhecer mais sobre esta personalidade ver: Pimenta, J. Ramiro, Dicionário de Historiadores portugueses: https://dichp.bnportugal.gov.pt/historiadores/historiadores_silva_teles.htm

4 Silva Telles fora selecionado para professor da cadeira de Geografia do CSL após a defesa da dissertação «A Concepção da Unidades Geográficas. Introdução à Antropogeografia» (1904).

5 Para conhecer mais sobre este geógrafo alemão que trabalhou sobre Portugal ver: Braga, J. «Lautensach, Hermann» Dicionário CIUHCT de Cientistas, engenheiros e médicos em Portugal: https://dicionario.ciuhct.org/lautensach-hermann/.

6 Decreto com força de lei nº 93/1911, de 22 de abril, Cap. I – art.º 4º e Decreto nº 195/1911, de 22 de agosto, art.º 27º.

7 Decreto com força de lei nº 109/1911, de 11 de maio, Cap. II – Secção II e Cap. II – Secção III.

8 Diário do Governo nº 157/1918, de 14 de julho, Decreto nº 4 651, Art.º 2º, números 1 e 2.

9 Diário do Governo nº 257/1926, Decreto nº 12 677, de 17 de novembro, art.º 7º.

10 Respetivamente: 13ª cadeira, Geografia geral (anual); 14ª cadeira, Geografia de Portugal (anual); 15ª cadeira, Geografia colonial portuguesa (anual); 16ª cadeira, Geografia política e económica (anual); Curso de Antropogeografia geral (semestral); Curso de Etnologia (semestral); Curso de Geografia física (na Faculdade de Ciências), semestral; Curso geral de mineralogia e geologia (na Faculdade de Ciências), anual (Decreto nº 12 677, Cap. I, art.º 1º).

11 Decreto 18 003, de 25 de fevereiro de 1930.

12 Respetivamente Geografia geral e Paleogeografia, Geografia humana, Geografia de Portugal e colónias, História da Geografia e História dos Descobrimentos e da Colonização Portuguesa: Decreto 18 003, de 25 de fevereiro de 1930, Cap. VIII, Art.º 25, número 5.

13 Decreto 18 003, de 25 de fevereiro de 1930.

14 Decreto 18 003, de 25 de fevereiro de 1930.

15 Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Doutoramentos, IV-1ª D-9-3-35-fl-18-18v-19. Apenas se localizou o livro de Doutoramentos até 1935, pelo que não se apresentam dados sobre o trabalho de António Medeiros Gouveia, posterior a essa data.

16 Assim, a Geografia, durante a República e o Estado Novo, iria ter a mesma finalidade que a Geologia durante a Monarquia Liberal: o conhecimento e domínio do território nacional e prossecução de políticas desenvolvimentistas baseadas no aproveitamento dos recursos naturais e construção de infraestruturas. Veja-se, por exemplo, Mota et. al., 2019 e Mota et. al.2021. Em 1930, Amorim Girão publica também um influente Esboço duma Carta Regional de Portugal... onde discute a existência de regiões naturais e regiões geográficas no país, ainda então foco de polémica, o que o autor atribui à falta de estudos. Faz referência aos trabalhos do silvicultor Bernardino Barros Gomes (1839-1910), mas baseia-se no conceito de região da «escola geográfica francesa de Vidal de La Blache» para definir e caraterizar 13 regiões que divide em sub-regiões. Esta divisão esteve na base da reorganização administrativa de 1936 e foi muito usada pelos geógrafos que analisaram o tema posteriormente.

17 O rio Vouga é um curso de água de 148 Km que nasce no distrito de Viseu e desagua na «Ria de Aveiro», 50 Km a norte de Coimbra.

18 Hermann Lautensach, Bibliografia Geográfica de Portugal, (Lisboa: IAC/CEG, 1948), 190-191.

19 As provas testemunham a relação entre Geografia e História e o elevado grau de exigência: Prova escrita de Geografia Humana (dia 1); Prova oral de Geografia Geral e Paleografia (dia 4); Prova escrita de História da Geografia e História dos Descobrimentos e da Colonização Portuguesa (dia 8); Prova oral de Geografia Geral e Colónias (dia 12). Além dos professores da Universidade de Coimbra, Luis Schwalbach também fez parte do júri: Arquivo da Universidade de Coimbra, Livro de Doutoramentos, IV-1ªD-9-3_35_fl29_fl_29v_30_fl30v.

20 Vergílio Taborda, Alto Trás-os-Montes—Estudo Geográfico, Dissertação de Doutoramento na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Ciências Geográficas), (Coimbra: Imprensa da Universidade, 1932), «Prefácio». As excursões foram realizadas em Setembro/Outubro de 1929, agosto/outubro de 1930, Janeiro de 1931, Março/abril de 1931 e junho de 1931.

21 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, Currículum Vitae de 1933.

22 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, Carta de Amorim Girão de 29/09/1933.

23 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, «Ano 1933-1934: 1º Relatório».

24 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, «Relatório da atividade e aproveitamento: Março/Junho 1934». A ideia, sustentada por Orlando Ribeiro, de que Medeiros Gouveia se sentiria intimidado por De Martonne não parece corresponder à verdade dado que este continuaria a frequentar as aulas do geógrafo francês: Ribeiro, 1989-b e Ribeiro, 1990 e Ribeiro, 2016-b.

25 PT/MNE/CICL/IC-1/01262/01, Carta de Medeiros Gouveia de 2/01/1935 e Carta de Francisco Leite Pinto de 23/02/1935.

26 PT/MNE/CICL/IC-1/01262/01, carta de Francisco Paula Leite Pinto de 4/06/1935. Teixeira, 1984.

27 PT/MNE/CICL/IC-1/00488/02.

28 PT/MNE/CICL/IC-1/00488/02, Carta de Francisco Paula Leite Pinto de 18/02/1936 e Carta de Amorim Girão de 28/04/1936.

29 PT/MNE/CICL/IC-1/00397/13, Carta do Secretário Interino da JEN (assinatura ilegível) de 15/01/1937. Zbyszewski. 1984.

30 PT/MNE/CICL/IC-1/00397/13, Carta de Léon Luteaud de 28/01/1938.

31 O termo «fisiografia» tem origem inglesa, visando ser uma ciência integradora das restantes ciências naturais focando-se no princípio da causalidade (Capel, 2012, 140) e nunca foi popular em França, preferindo os geógrafos deste país a palavra «morfologia» (Broc, 2010, 8). A escolha do termo pelo geógrafo português, provavelmente sob influência dos geólogos que o orientaram e da leitura de trabalhos coevos espanhóis (Hernandez-Pacheco, 1932) dever-se-á à vontade de especialização que expressa no seu trabalho. Contudo, sabe-se que Silva Telles também usava «fisiografia» tal como os geógrafos estrangeiros da sua geração.

32 Anuário da Universidade de Coimbra, (Coimbra: 1938-1939), 285.

33 A receção destas ideias pode ser lida em: Carvalho, 2014, 201-220. Apenas nos anos 1960-70 a Teoria da Tectónica de placas começa a ser bem aceite nos meios geológicos.

34 PT/MNE/CICL/IC-1/01307/14, Curriculum Vitae de António Medeiros Gouveia.

35 Tal como o trabalho de Orlando Ribeiro, este Doutoramento foi primeiro editado como separata da Revista da Faculdade de Letras, da Universidade de Lisboa, edição que se seguiu. Foi publicado como artigo: Santa Rita, 1938, 7-80. Este hiato deve-se a problemas familiares do autor que levaram ao adiamento das provas. Os membros do Conselho Escolar deram hipótese a Santa Rita de optar por trabalhos impressos ou teses enunciadas e impressas para a discussão: Livro de Atas do Conselho Escolar FLUL/A2, sessão de 21 de maio de 1936 e sessão de 7 de junho de 1937. Dado que as provas só duraram dois dias parece ter sido esta a opção. Universidade de Lisboa, Reitoria Livro de Doutoramentos da Faculdade de Letras, 1929 a 1964, PT/ULISBOA/UL-0225082, folha 17.

36 Universidade de Lisboa, Reitoria Livro de Doutoramentos da Faculdade de Letras, 1929 a 1964, PT/ULISBOA/UL-0225082, folha 22.

37 A tese é publicada em 1940. As provas foram marcadas para depois da Páscoa por conveniência do arguente Machado e Costa: Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: Livro de Atas do Conselho Escolar FLUL/A2, sessão de 26 de fevereiro de 1940. Foi o único Doutoramento na Faculdade de Letras nesse ano escolar: Anuário da Universidade de Lisboa, Ano escolar de 1939-40, (Lisboa), 31.

38 É de notar que dos 3 trabalhos seus indicados na Bibliografia Geográfica de Portugal (1948) dois estão «cheio de erros» segundo o autor da obra. Tanto o Doutoramento de Boléo como o de Santa Rita não constam desta obra de referência da Geografia portuguesa. Dificilmente o autor desta não teria informações sobre a sua existência, pelo que se pode interpretar esta ausência como um não reconhecimento científico dos dois estudos, no âmbito da Geografia.

39 Para conhecer mais sobre este geógrafo português ver: Braga, J. «Ribeiro, Orlando» Dicionário CIUHCT de Cientistas, engenheiros e médicos em Portugal: https://dicionario.ciuhct.org/ribeiro-orlando/

40 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 1: Bn-acpc-e-d12-1_050_47_t24-C-R0150.

41 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 2: Bn-acpc-e-d12-2.

42 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09.

43 Era já a sua intenção quando se propôs pela primeira vez como bolseiro e manifestou diversas vezes, nos relatórios que realizou para a JEN, esse desiderato: PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09.

44 Mas Ribeiro, pelo menos desde 1930, pretendia seguir a via da investigação, tendo, por intermédio de Juvenal Esteves, conhecido Marck Athias, então à frente da JEN. Esteves, 1992, 68-69.

45 O segundo volume não estava ainda publicado.

46 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúbal.

47 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúbal, 2.

48 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúba», 2-4.

49 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, Plano de uma Monografia Geográfica da Península de Setúbal, 4-5.

50 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº3:Bn-acpc-e-d12-3_0021t24-C-R150

51 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 4, Bn-acpc-e-d12-4. Usaram-se os cadernos de campo para reconstituir o trabalho de campo de Orlando Ribeiro, mas deve-se registar que este recorria aos mesmos cadernos para mais de uma excursão (o que se comprova através da correspondência) anotando a data da primeira utilização do caderno de campo.

52 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 5, Bn-acpc-e-d12-5.

53 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 6, Bn-acpc-e-d12-6.

54 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, «Relatório apresentado à Junta de Educação Nacional» de 26 de junho de 1934.

55 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 7, Bn-acpc-e-d12-7.

56 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 8, Bn-acpc-e-d12-8.

57 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 9, Bn-acpc-e-d12-9.

58 BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº 10, Bn-acpc-e-d12-10 e BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro, Caderno de Campo nº11, Bn-acpc-e-d12-11.

59 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, «Relatório apresentado à Junta de Educação Nacional» de 26 de junho de 1934.

60 PT/MNE/CICL/IC-1/00532/09, «Relatório apresentado à Junta de Educação Nacional» de 26 de junho de 1934.

61 PT/MNE/CICL/IC-1/00537/06, «Relatório apresentado à Junta de Educação Nacional de Junho de 1935».

62 Universidade de Lisboa, Reitoria Livro de Doutoramentos da Faculdade de Letras, 1929 a 1964, PT/ULISBOA/UL-0225082, folha 15. Sabe-se que as provas estiveram marcadas para 20 de março: Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: Livro de Atas do Conselho Escolar FLUL/A2, Sessão de 2 de março de 1936. Foi o único Doutoramento defendido na Faculdade de Letras nesse ano escolar: Anuário da Universidade de Lisboa, Ano escolar de 1935-36, (Lisboa), 47.

63 Universidade de Lisboa-Arquivo da Reitoria- Livro de Doutoramentos da Faculdade de Letras, ano 1929-1964.

64 “Novo Doutor” in Voz, 30 de março de 1936, BNP, Espólio do Professor Orlando Ribeiro.

65 “Um Livro de são nacionalismo” in Novidades, sábado, 25 de Abril de 1936, BNP Espólio do professor Orlando Ribeiro.

66 “Um Livro de são nacionalismo” in Novidades, sábado, 25 de Abril de 1936, BNP, Espólio do professor Orlando Ribeiro.

67 “Doutoramento em Ciências Geográficas”, Diário de Notícias, 29/03/1936.

68 Este trabalho foi também uma das fontes da tese de Doutoramento como se nota nas referências a Frei Agostinho da Cruz (reproduzindo parte dos mesmos versos) e à brecha da Arrábida, 686 e 690.

69 É igualmente a posição de Suzanne Daveau, (Daveau, 2013, 33-35). O professor terá também uma experiência de Geografia aplicada na cidade de Coimbra (Calhabé) enquanto aí lecionava, que foi ignorada, o que terá decidido esta visão «pura» da Geografia. Veja-se Ribeiro, 2013-a. O geógrafo confessará, muitos anos depois, não possuir grandes paixões políticas: Ribeiro, 2016-a, 948.

70 Sobre este assunto veja-se: Costa, J. Braga. Geografia de Lisboa Segundo Orlando Ribeiro, Mestrado em História e Filosofia da Ciência, FCUL, 2012.

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Índice das ilustrações

Título Fig. 1- Aristides de Amorim Girão
Créditos Fonte: FLUC/Fundação Eng.º António de Almeida
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Para citar este artigo

Referência eletrónica

José Braga, «Geografia Universitária em Portugal»Terra Brasilis [Online], 21 | 2024, posto online no dia 30 junho 2024, consultado o 03 junho 2025. URL: http://journals.openedition.org/terrabrasilis/15572; DOI: https://doi.org/10.4000/14185

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Autor

José Braga

Centro Interuniversitário de História da Ciência e Tecnologia - Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ID0000-0001-7526-8157. [email protected]

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