O “problema dos eléctricos”, como era conhecido por todos, ocupou grande parte da vida política da cidade de Lisboa durante os anos quarenta e cinquenta. Na génese do problema parecia estar um facto nunca desmentido: a rede de eléctricos, depois da tal “reorganização dos serviços” efectuada em 1922, pouco mudou – na essência nada, mesmo, poder-se-ia argumentar. Os grandes acontecimentos foram a inauguração de três novas linhas – a da Ajuda, em 1927, que levou à divisão do 18 em duas carreiras (e respectivos desdobramentos); a de Carnide, em 1929, que criou um segundo 13 e eliminou a memória do primeiro; e a linha Campolide/Almirante Reis, em 1936, que criou um segundo 14 que foi por sua vez incorporado no 24 em 1942, transformando-se aquele na circulação de Campolide. Mas a estrutura das carreiras manteve-se, o número de carros em circulação pouco mudou, e os horários (segundo críticas das autoridades responsáveis pela sua aprovação) não foram de todo alterados durante uma vintena de anos.
Como resultado, em 1944 a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres, em conjunto com a Câmara Municipal de Lisboa, começaram a pressionar a empresa para restruturar os seus serviços, acabando com o caos que permanentemente se vivia no Rossio e nos Restauradores. Pelos critérios actuais, o dito caos deveria ser muito relativo; mas na altura, a visão de uma ou duas dezenas de eléctricos concentrados na mesma praça, manobrando nas agulhas e dando voltas às raquetes para permitir ultrapassagens, enquanto centenas de passageiros aguardavam em vão transporte para o seu destino constituía um dos principais motivos de insatisfação entre os lisboetas.
Desde 1928 que o terminal da carreira 15 se situava no topo Norte do Rossio, em frente ao Teatro Nacional Dona Maria II e junto a uma das barracas do expedidor. No entretanto, a infra-estrutura da carreira sofrera alguns melhoramentos, com a duplicação da via em vários troços em particular devido ao reforço de serviço para a Exposição do Mundo Português em 1940. Algures no decurso dos anos, o 15 fora semi-oficialmente reforçado com a criação da carreira 15A, que concentrou sob a forma de serviço regular de dias úteis os clássicos extraordinários entre o Rossio e Algés (a propósito do cinquentenário da tracção eléctrica, o Diário Popular refere a introdução de carros atrelados neste percurso a 15 de Julho de 1923, sugerindo que a carreira já funcionaria nesta data, conquanto em regime exclusivamente extraordinário). A 10 de Junho de 1944, com a inauguração do Estádio Nacional, a linha foi prolongada a partir do Dafundo e começaram também a circular eléctricos entre o Rossio e o Jamor, primeiro apenas em serviço extraordinário com autorização dada dia a dia aquando da realização de eventos no novo estádio.
Rapidamente, contudo, se começou a colocar a questão da razoabilidade de manter uma linha entre o Dafundo e o Estádio Nacional, atravessando o extenso aglomerado populacional da Cruz Quebrada, com a finalidade única de fazer por lá circular eléctricos um ou dois dias por mês. Depois de alguma discussão, nomeadamente em relação ao carácter suburbano do serviço, foi autorizado um novo modelo de funcionamento do 15, com nada menos do que quatro carreiras partindo do Rossio.
A carreira principal, detentora do número 15, continuava a circular entre o Rossio e o Dafundo, com quatro carros de manhã, seis de tarde e três a cinco à noite, e frequências de 22 minutos até ao meio-dia, 16 até às nove da noite e 9 a 10 até à uma da madrugada. Alternadamente, partiam carros para a Cruz Quebrada (o 15B) com idênticas frequências entre as sete da manhã e as nove da noite, requerendo cinco carros de manhã e sete da parte da tarde. Aos dias úteis, estas duas carreiras eram complementadas pelo 15A, que tinha nada menos do que oito a onze carros ao seu serviço, e que duplicava a oferta conjunta das outras duas carreiras entre as sete da manhã e as oito da noite. Finalmente, realizava-se um serviço extraordinário para o Estádio Nacional, também formalmente integrado na carreira 15B, sem horário definido.
É interessante constatar que o tempo previsto para os percursos totais do 15 e 15A coincidia, uma vez que o intervalo entre carros era demasiado grande para permitir a ultrapassagem de uma chapa de 15A enquanto o 15 correspondente ia até ao Dafundo. Já a duração das viagens para a Cruz Quebrada – 110 a 112 minutos, num tempo em que o trânsito em Lisboa era quase exclusivamente composto por eléctricos – era bastante superior.
Pouco depois da inauguração do serviço regular até à Cruz Quebrada, contudo, teve início a grande restruturação da Baixa. No caso do 15 e sua família, o processo de restruturação acompanhou as várias fases da restruturação. A 1 de Abril de 1945, quando pela primeira vez em mais de vinte anos algumas carreiras deixaram o Rossio, o 15, 15A e 15B passaram a terminar no lado oriental da Praça do Comércio, assegurando a ligação às carreiras do eixo do Rossio nas paragens colocadas próximo do cruzamento da Rua Augusta. Nesta fase, o 15 e 15B mantiveram o terminal no Rossio a partir das 21h, quando a frequência mais baixa da generalidade das carreiras permitia uma circulação fluída nas Ruas do Ouro e Augusta.
Contudo, se o trânsito nas ruas da Baixa parece ter melhorado um pouco nesta fase, já a Praça do Comércio ficou bastante mais complicada, em particular devido ao cruzamento das linhas de Algés e do Poço do Bispo, que terminavam nas duas raquetes aí existentes. A 13 de Outubro de 1946, a Carris optou por trocar estes terminais – até porque, especialmente no caso das carreiras de Algés, o benefício decorrente da possibilidade de transbordo na zona da Praça do Comércio não era assim tão significativo – e o 15, 15A e 15B transferiram-se para o que seria o seu terminal nos quarenta e cinco anos seguintes: a raquete do lado ocidental da Praça do Comércio. A 1 de Julho de 1947 este passou a ser o terminal oficial das carreiras também no período nocturno; e o 15, 15A e 15B estabilizaram definitivamente com zonas no Terreiro do Paço, Santos, Santo Amaro, Belém, Algés, Dafundo e Cruz Quebrada (ou Estádio).
Se o encurtamento ao Terreiro do Paço motivou bastantes críticas devido à necessidade de transbordo – com penalização tarifária – nas viagens de e para a Baixa, bem como na correspondência com carreiras dos eixos Sul/Norte, que foram simultaneamente encurtadas aos Restauradores ou Martim Moniz, a poupança que com isso se conseguiu no tempo de viagem conduziu a um aumento significativo na frequência da carreira. Este aumento foi também conseguido graças ao processo de aumento da frota de eléctricos que a empresa conseguiu recomeçar a partir do final da guerra. Ainda assim, a 8 de Janeiro de 1948 um levantamento feito pela Direcção-Geral dos Transportes Terrestres dava conta dos mesmos seis carros ordinários em circulação no 15, sete no 15B, e apenas nove (contra os antigos onze) no 15A, a que se juntavam seis carros extraordinários para serviço nas duas carreiras da Praça do Comércio – a do Dafundo e a do Poço do Bispo. No final de 1950, a oferta no 15 e 15B tinha ainda assim aumentado bastante, sendo a frequência de treze a quinze minutos até às 21h, em ambas as carreiras, e reduzida para 27 minutos (mantendo-se a do 15 nos treze minutos) até à uma da manhã. Já o 15A continuava a circular apenas aos dias úteis com intervalos entre os doze e os treze minutos, sugerindo que deixara de haver a perfeita alternância entre os destinos que caracterizava as antigas partidas do Rossio.
É também importante observar que o encurtamento à Praça do Comércio trouxe outro problema prático para a família do 15, que foi a impossibilidade de continuar a utilizar carros atrelados. Se o 15 propriamente dito já não os usava nunca, uma vez que a inversão no Dafundo era realizada com recurso a agulhas, tirando partido dos carros bidireccionais, em Algés havia uma raquete que possibilitava o emprego de atrelados no 15A. Não é porém garantido que estes ainda fossem usados nesta fase: os dados disponíveis sugerem que os carros desta linha eram já todos os chamados “carros grandes abertos”, os maiores de que a empresa dispunha, e que a prática nos anos seguintes continuou a ser a de usar os maiores veículos bidireccionais existentes para estas carreiras. É porém possível que, nomeadamente em dias de eventos em Monsanto ou no Estádio Nacional, os carros extraordinários com início no Cais do Sodré ou em Santos recorressem a atrelados – há inclusivamente fotografias, já dos anos oitenta, que mostram eléctricos atrelados a realizar o percurso entre o Cais do Sodré e o Estádio Nacional.
No final dos anos cinquenta, quando o resto da rede se estava a preparar para a chegada do metropolitano, os eléctricos de Algés receberam duas novas alterações no seu percurso. A primeira deu-se a 21 de Janeiro de 1958: a entrada em vigor de um novo esquema de circulação na zona do Cais do Sodré ditou um novo percurso não apenas para o 15, 15A e 15B, mas também para o 18, que passaram a circular pela Rua Bernardino Costa e Praça Duque da Terceira em ambos os sentidos, quando antigamente efectuavam o desvio pelo Cais do Sodré para aceder à faixa reservada da Avenida 24 de Julho. No ano seguinte, foram manchete as obras do desvio da linha de Algés: com a demolição da antiga praça de touros e construção da actual Praça Dom Manuel I (a rotunda que serve de terminal aos vários operadores rodoviários da zona), a antiga linha quase rectilínea dos eléctricos foi desviada para o percurso actual, pela Rua Damião de Góis, entre o Largo da Estação e a Rua de Pedrouços. As obras, que se iniciaram em Maio, incluíram a colocação de 1480 metros de linha dupla e o levantamento de 1260m de linha (também dupla) na entretanto quase desaparecida Rua Major Afonso Pala. Posteriormente, foi alterado o traçado da linha já em Algés, na Alameda Marechal Carmona (actual Alameda Hermano Patrone). Dos mapas da época há um aspecto que não é contudo claro: a localização do terminal dos carros de Algés, que provavelmente se situava originalmente numa agulha próxima da estação de comboios (onde seria também a mudança de zona) e que em princípio terá sido nesta fase transferida para a raquete existente no jardim de Algés. Em contrapartida, há referências à existência duma raquete em Algés desde finais de 1912, pelo que é uma questão que terá de ser esclarecida mais tarde.
Mas os anos cinquenta não foram um mar de rosas. Apesar do encurtamento à Praça do Comércio ter resolvido muitos dos problemas de circulação dos carros de Algés; apesar da linha dedicada na 24 de Julho – afastada das zonas residenciais do eixo ribeirinho e permitindo um serviço mais rápido nomeadamente entre o Cais do Sodré e Santos, onde além dos 15s só circulavam alguns carros da família da Ajuda –; apesar do regime de carros directos até Belém, tentando privilegiar o transporte para aqueles passageiros para os quais não havia alternativas aos eléctricos de Algés, Dafundo e Cruz Quebrada, o serviço, em especial às horas de ponta, deixava muitas vezes bastante a desejar. Há queixas de períodos de meia hora sem eléctricos em condições normais de exploração; e a quantidade de carreiras de autocarros para Algés inauguradas neste período – o 23, logo em 1949, o 12, em 1952, e o 29, em 1954, para além do serviço extraordinário de autocarros para o Estádio Nacional, com percurso paralelo ao do eléctrico, em circulação desde 1944 – para além das propostas e nunca aprovadas (como o prolongamento 27) ilustra bem o sentimento por parte da própria empresa de que o serviço à ponta ocidental da cidade era tudo menos perfeito. Por outro lado, o anúncio do reforço do serviço durante toda a espécie de provas em Monsanto nos verões dos anos cinquenta demonstra a afluência de passageiros à ligação mais popular do centro da cidade àquele quase-subúrbio.
Os anos sessenta vieram complicar as coisas, com o declínio da rede de eléctricos a partir de 1962. Se a restruturação da rede em 1960 por uma vez não afectou directamente o 15, já o aumento de tarifas a 1 de Julho de 1962 foi transversal e teve um impacto imediato no número de passageiros transportados. Ao longo dos anos sessenta, toda a rede de eléctricos se ressentiu; e se o 15 foi continuando a circular sem alterações perceptíveis – descontando as reduções de horário – já a qualidade do seu serviço foi decaindo, fruto da redução da oferta quer no 15, 15A e 15B, quer nas carreiras paralelas que complementavam o seu serviço.
A 1 de Janeiro de 1962 o 15A e 15B começaram a desaparecer enquanto números de carreiras indicados nas bandeiras de destino. Por forma a evitar equívocos, a Carris optou por um novo sistema de numeração, renumerando as carreiras alfanuméricas que não eram simplesmente subcarreiras de outras (como o 1A e o 17A) e passando a identificar as restantes como “cortados” das carreiras principais. De facto, para um passageiro no Cais do Sodré era completamente irrelevante se o carro que aí vinha para Algés era um carro do 15A em horário, um carro de chapa do 15 atrasado e encurtado, ou um extraordinário ao serviço de alguma daquelas duas carreiras. Assim, os 15As passaram a circular como cortados do 15 (distinguindo-se apenas pela chapa); mistério completo é o que é que passou a ser indicado no 15B. Provavelmente, todos os carros para Dafundo, Cruz Quebrada e Estádio andavam com bandeiras de 15, enquanto os de Algés (e outros encurtamentos) circulavam como cortados.
Contudo, a presença do 15A e 15B continuou a ser registada em guias, plantas, chapas de carreira e placas de paragem. A situação alterou-se no início dos anos setenta: uma listagem de carreiras disponibilizada pela própria Carris por volta de 1972 apresenta 15 e 15B (mas não o 15A), enquanto um mapa interno da empresa, consultável no arquivo da Câmara Municipal de Lisboa e datado de 2 de Janeiro de 1973 já apresenta apenas o 15 como circulando entre a Praça do Comércio e a Cruz Quebrada. Contudo, o guia de Outubro desse ano – cuja listagem de carreiras de eléctricos foi actualizada entre duas tiragens, sendo retiradas as carreiras das linhas de Benfica, Lumiar e Carnide – mantém a indicação de 15, 15A e 15B. Só em Maio de 1974 é que a listagem das carreiras de eléctricos passou a incluir apenas o 15, fundido todos os serviços do eixo de Algés.
Mas a história não é tão simples assim. Até ao abandono definitivo da raquete da Praça do Comércio, a placa lá existente indicava explicitamente tratar-se de uma zona das carreiras 15, 15A e 15B (para Algés, Dafundo e Cruz Quebrada). Refiro-me, entenda-se, à placa de paragem, e não ao anúncio gigante que também se encontrava no mesmo terminal e que repetia a indicação, embora sem números de carreiras. Para além das várias fotos da mesma disponíveis na internet, vários lisboetas se recordarão ainda da placa, que só foi retirada em finais de 1993. Em contrapartida, do outro lado da mesma praça a raquete do 18 indicava também os destinos de Boa-Hora, Calçada da Ajuda e Ajuda, mas apenas o número 18.
As fotografias de eléctricos tiradas por turistas durante este período também são intrigantes: numa delas, datada de Setembro de 1978, vê-se claramente um eléctrico de salão com destino ao Dafundo e chapa de 15A; noutra, de Abril de 1977, surge outro carro com destino à Praça do Comércio e idêntica chapa. Ambas as fotos datam duma altura em que a carreira supostamente já estava mais que suspensa. Em contrapartida, há outras fotografias datadas de 1972 mostrando eléctricos com destino à Cruz Quebrada e ao Estádio Nacional e com chapas de 15, numa altura em que este serviço ainda deveria ser assegurado pelo 15B.
A questão principal é que toda esta discussão relativa aos números das carreiras era completamente irrelevante para os seus utilizadores. Desde sempre que os carros eram identificados pela bandeira de destino – muito antes de terem número, já os 15s eram identificados como “a carreira do Dafundo” ou de Algés. (Incidentalmente, isto não permitia distingui-los do 13 e do 14; além de Santos, tal distinção não era relevante; antes, a diferença era assinalada por uma placa colocada no exterior do carro indicando a circulação pelo Cais do Sodré ou pelo Conde Barão.) A indicação do número da carreira, iniciada nos anos trinta por forma a simplificar a vida à grande proporção de passageiros analfabetos, foi encarada por muitos como inútil – há uma espantosa reclamação dos anos sessenta em que um senhor critica a Carris porque passou a haver duas circulações da Estrela que são impossíveis de distinguir, e que não é por uns carros dizerem 25 e outros dizerem 29 que ele vai saber quais são quais...
Mas antes da fusão dos três 15s numa única carreira, toda a família esteve em risco de desaparecer. É bem conhecido o projecto de eliminação da rede de eléctricos a implementar entre 1971 e 1977, que – como vários outros – nunca passou do papel. (A supressão dos ramais de Benfica, Carnide e Lumiar foi acidental, fruto das circunstâncias e não de um projecto estruturado.) Já não será tão conhecido o facto de, a 26 de Março de 1969, a Carris ter dado entrada nas autoridades competentes de um projecto de transformar a carreira extraordinária do Estádio Nacional (na altura, salvo erro, ainda com o número 64) num serviço regular. O projecto era bastante completo: a carreira circularia entre a Praça do Comércio e o Estádio pela Avenida da Índia e Avenida Marginal até ao Estádio Nacional, retornando pelo percurso do eléctrico até Algés. Na proposta, elaborada a pedido do próprio Estádio Nacional, o período de funcionamento estava reduzido às horas de ponta e de almoço, com intervalos de meia hora; mas é previsível que, se tivesse sido autorizada, a carreira rapidamente adquirisse o percurso do eléctrico entre Belém e o Estádio Nacional, substituindo-se ao 15 e encurtando a linha ocidental de eléctricos ao Mosteiro dos Jerónimos. Feliz ou infelizmente, a Direcção-Geral dos Transportes Terrestres não autorizou a carreira recorrendo-se do mesmo argumento utilizado ao longo dos anos sessenta para recusar as propostas de transporte para a Damaia, Buraca, Algés de Cima, Prior Velho ou Odivelas: a Carris não tinha competência para explorar percursos suburbanos com carácter regular. Claro que o percurso em questão era explorado por eléctricos em serviço regular e por uma carreira extraordinária, mas cuja exploração não requeria mais autorizações.
Claro que, com o 25 de Abril, a situação se alterou radicalmente. Com a imigração súbita que se verificou a seguir à revolução, a periferia da cidade encheu-se subitamente de gente e o 15 ganhou nova vida. Em 1976, a frequência do 15 era de quatro minutos em hora de ponta (e cinco aos sábados); no primeiro horário publicado, no ano seguinte, e já após o reforço do serviço com o prolongamento do 16 a Algés, a carreira tinha frequências de cinco minutos em hora de ponta, sete no corpo do dia, seis a oito aos sábados, onze aos domingos e feriados e dezasseis no período nocturno.
O período revolucionário ficou contudo marcado por uma tragédia no 15. No dia 11 de Junho de 1976, o guarda-freio e o cobrador dum veículo ao serviço da carreira foram assassinados no Estádio Nacional, presumivelmente num assalto. No dia seguinte, toda a frota da Carris parou durante cinco horas em protesto; os responsáveis nunca foram capturados.
O crime trouxe a público os problemas da circulação de transportes, que tornam risíveis os existentes actualmente. Em diversos pontos da rede, os terminais eram completamente isolados e situavam-se em zonas de populações carenciadas onde os assaltos e ameaças eram uma constante. Se o terminal do Estádio Nacional se tornou emblemático desta situação, havia outros mais discretos espalhados por toda a cidade e arredores, sendo notória a falta de serviço nocturno nalgumas carreiras (como o 34) que certamente teriam procura. No caso do 15, a própria raquete da Cruz Quebrada situava-se no meio dum acampamento de ciganos, um aspecto que é apresentado como algo de completamente inconcebível nos comentários aos registos fotográficos de estrangeiros em Lisboa no final dos anos setenta.
Contudo, e ao contrário do que está afirmado num livro de Marina Tavares Dias, o serviço ao Estádio Nacional foi retomado de imediato nos mesmos moldes que antigamente – sensivelmente um carro a cada meia hora, entre as sete da manhã e as nove da noite. De facto, poucos meses depois surgem críticas de passageiros ao serviço do 15 que confirmam a continuação do serviço. (As queixas referem que o serviço ficara substancialmente pior desde o fim dos carros para o Dafundo – algo que hoje seria impensável, uma vez que a manobra de inversão era feita em agulha.)
Mais do que ao percurso ou ao horário, as grandes alterações no 15 durante este período dizem respeito às suas paragens e tarifas. A grande restruturação pós-revolucionária, para além das alterações mais óbvias de encurtamentos, prolongamentos e novas carreiras, teve um impacto enorme a nível das paragens e distribuição das zonas. É curioso constatar que as alterações brutais realizadas entre o final dos anos quarenta e meados dos anos cinquenta quase nada afectaram as zonas servidas pela carreira 15 de eléctricos: com excepção da Baixa, a carreira já tinha um serviço quase expresso entre o Cais do Sodré e Alcântara, onde a circulação pela faixa reservada da Avenida 24 de Julho não justificava a densidade de paragens habitual no resto da rede, enquanto o percurso além daquela zona não sofria, na época, dos congestionamentos crónicos que levaram à redefinição completa dos locais de paragem no centro da cidade. Na segunda metade dos anos setenta a situação alterou-se radicalmente, e no Verão de 1978 assistiu-se a uma nova reorganização do mapa de paragens da cidade, que afectou o 15 em particular (novamente) na zona da Baixa e ainda em Alcântara.
Em paralelo a estas alterações, a introdução do passe social a 1 de Janeiro de 1976 veio acelerar o processo de convergência tarifária entre autocarros e eléctricos. Desde o início da década que a distinção se tinha começado a esbater, dada a substituição de várias carreiras de eléctricos por autocarros com idêntico tarifário nas linhas do Areeiro, Lumiar, Benfica e Carnide. Em simultâneo, as tarifas de uma zona passaram a ter preços idênticos, valendo a tarifa mais baixa para uma zona de autocarros e uma ou duas de eléctricos, e sendo as viagens mais longas em eléctricos tarifadas como duas zonas de autocarros. Em 1976 a convergência tarifária deu um novo passo, com as viagens de duas zonas de eléctricos a subirem para o preço das viagens de duas a quatro zonas de autocarro. A distinção entre os dois tarifários passou a sentir-se apenas em viagens de maior comprimento – e poucas carreiras de eléctricos atingiam a quinta zona tarifária –, sendo porém reforçada pela manutenção de zonas mais extensas para os carros eléctricos. O caso do 15 era paradigmático: as zonas realizavam-se no Terreiro do Paço, Santos, Santo Amaro, Belém e Algés, enquanto os autocarros que circulavam no mesmo percurso faziam zona no Terreiro do Paço, Santos, Alcântara-Mar ou Calvário, Cordoaria, Belém, Largo da Princesa e Algés. Mas a transferência súbita de 90% dos passageiros para o regime de passe social e a eliminação progressiva dos cobradores tornavam estas diferenças cada vez menos relevantes, e em 1978 o 15 perdeu uma zona (a do Dafundo), reduzindo as tarifas no percurso suburbano; a 1 de Fevereiro de 1981, a conclusão da restruturação de zonas alterou as zonas da carreira por completo, com o desdobramento da zona de Santo Amaro em Calvário e Cordoaria e da zona de Belém (nos Jerónimos) por Belém (na Junqueira) e Largo da Princesa.
O ano seguinte trouxe a última alteração do clássico 15, com o encurtamento provisório ao Dafundo e subsequente restabelecimento de percurso apenas até à Cruz Quebrada, sendo abandonado o ramal até ao Estádio Nacional. Penso que se tratará de um encurtamento distinto do que vigorou a partir de Fevereiro de 1979, embora o motivo tenha sido sempre o mesmo: riscos de derrocada de um muro no Dafundo (o motivo que levaria finalmente à supressão dos eléctricos a partir de Algés em 1996). O encurtamento de 1982 foi suficientemente prolongado para justificar a elaboração e publicação de novos horários; mas, contrariamente ao que é apontado por Marina Tavares Dias, não parece estar relacionado com qualquer assassinato no Estádio Nacional: parece bastante improvável que tal situação se tenha repetido duas vezes, e não encontrei qualquer referência a esse facto nos jornais de 1982 que consultei.
Em meados dos anos oitenta começaram a surgir os projectos de modernização do 15, e a carreira iniciou um processo de modernização que a tornou, novamente, pioneira entre as carreiras da rede.